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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Notívago


Nesta hora muitos dormem, muitos rolam na cama sem sono, alguns fazem coisas mais interessantes que dormir ou não. Como sonhar, por exemplo. A outra coisa também, por exemplo, mas não é a única.

Nesta hora alguns poucos trabalham e uma multidão entra na
web em busca do que ela tem de mais farto: erotismo e pornografia.

Nesta hora menino deve estar no terceiro sono, fiéis em vigília devem estar na quinta oração, o Japão já deve quase saber o resultado da bolsa na quarta-feira e a sétima eliminada do Big Brother já deve ter voltado à realidade.

Nesta hora o galo ainda nem ensaia seu canto, a lua enche os amantes de encanto e isso aqui, por descuido, quase vira um poema.

Madrugada. As palavras me chegam, frescas como verduras no Ceasa. O que já não tem nada de lírico. Exagerei na mudança de rumos. E as palavras vão, também, alimentar: estas linhas, meu coração, um espaço virtual, um pedaço minúsculo de eternidade. As palavras preferem as primeiras horas de cada dia, justamente a parte em que ele é mais noite.

Nesta hora em que elas chegam e quase me sussurram aos ouvidos, pode acontecer um tal de texto: às vezes dá pé, às vezes é cabeça e, em outras oportunidades, não tem nem um nem outra. O texto nada mais é do que aquele que realmente não era antes que as palavras viessem.

É preciso muita calma nesta hora. As palavras gostam de chegar e se aquietar em outro canto de mim antes de ir para a mente, os dedos, o teclado, o monitor, o disco rígido e o mundo não menos rígido. Elas são totalmente antipornográficas: detestam amores à primeira vista e prazeres imediatos, sem trabalho algum.

Madrugada. Esse é o meu melhor momento do dia, inclusive porque os outros ainda não aconteceram. Descubro que sou, potencialmente, um artista e me lembro da música do Chico:

“O nosso amor é tão bom,
O horário é que nunca combina:
Eu sou funcionário, ela é dançarina...”

Mas sou mesmo é funcionário. Não posso, a não ser em férias, sorver as madrugadas sem o relógio de ponto a me esperar impaciente. Não posso viver de música. Não danço por aí para ganhar a vida. E ganho, por não dançar, pelo menos uns vinte quilinhos a mais.

Por essas e outras, as palavras não me visitarão sempre antes do sono. O horário nem sempre combina. Eu sou funcionário. E ela, a madrugada, talvez seja a dançarina por quem me apaixonei. E deixem-me terminar logo esta crônica, esta confissão ou este lamento para dor noturna de cotovelo, senão daqui a pouco estou cantarolando uma do Barão Vermelho:

“Estamos, meu bem, por um triz
Pro dia nascer feliz.
Esta é a vida que eu quis:
O mundo inteiro acordar,
E a gente dormir, dormir...”

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