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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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quarta-feira, 17 de março de 2010

Fafich


"As coisas tangíveis
Tornam-se insensíveis
À palma da mão
Mas as coisas findas
Muito mais que lindas
Essas ficarão"


1985 foi um dos invernos mais frios de que me lembro em Belo Horizonte. Calouro temporão, eu ia para a Fafich, ali na Carangola, bem cedo. Antes deixava Giovanni na Escola Estadual Ordem e Progresso, então na esquina da Bahia com a Bernardo Guimarães. Era difícil lavar o rosto, logo após acordar naquele tempo de sonho.

Tinha um velho e vistoso Corcel azul escuro, com dez anos de uso e centenas de candidatos a dono. Colecionava 14Bis em vinil. Tinha um bom emprego de bancário, a sina de boa parte de minha geração. E tinha feito, no verão, uma das melhores viagens de minha vida: sul do Brasil, Montevideo, Buenos Aires, Assunção e Foz do Iguaçu.

Gostava de uma meia dúzia de meninas – a cada estação –, inclusive de Élida, minha colega nunca revista da curta e inacabada incursão pela Geografia. Gostava do Parque Julien Rien, na Avenida Bandeirantes. E gostava, como quase todos os patrícios, de Coração de estudante, de Milton Nascimento e Wagner Tiso. Aliás, meu também, com a permissão dos dois.

O Brasil ameaçava, naquela época, ajeitar-se com uma tal de Nova República. Apesar de pilotado por Sarney, que, vinte e tantos anos depois, mostrou-se imerecedor até de seu passado. Hoje, sim, a nação tem jeito, mesmo com a tripulação não muito diferente e com os estragos feitos pelos políticos ao longo de séculos. Nunca antes na história deste país precisamos tão pouco de um presidente para nos tirar da merda.

Sem solução, no entanto, remanesce minha inconstância acadêmica: Geografia, depois Economia, em pleno Plano Cruzado, depois Letras, depois, muitíssimo depois, pitadas de Administração e Direito. Esta última não valeu nada para quem é assim meio torto, meio do contra, meio
gauche na vida, à semelhança do Drummond de minha epígrafe.

Naquela época, em meio a outras diversões, paixões e dramas, eu aprendia também o idioma de Victor Hugo na Aliança Francesa. Guardo dois diplominhas, leio razoavelmente, entendo a língua falada de maneira sofrível e me expresso mal,
malheuresement. O tempo levou meu Corcel e quase está levando meu francês. Antes mesmo de eu ler Proust, uma das omissões que lamento.

Hoje a Fafich, antes a maior concentração de comunistas, sonhadores e aloprados por metro quadrado das Gerais, está no
campus da Pampulha. Perdeu oitenta por cento do charme.

Além disso, os invernos já não são frios, a minha idade média teima em avançar e uma caixinha de decepções amiúde se me apresenta. Isso tudo
e algumas censuras autoimpostas fazem da faculdade com boteco do lado de dentro e juízo do lado de fora quase uma doída fotografia na parede, à beira de recolher-se a um vetusto baú de memórias.

Mas não me preocupo. Há remédio para essa busca dos vestígios que me fogem: posso descer a pé do Santo Antônio ao Centro, pensando em Rua Ramalhete, Todo azul do mar ou algumas do Clube da Esquina. E tentando enxergar o Cine Metrópole.

Um comentário:

  1. Eu frequntei o lugar nessa mesma época. Era uma cabuladora profissional das aulas de Lógica do Pensamento Científico (2º horário da 6ª à noite!). Descia a Carangola, correndo, pois a rua era bem escura. Pegava o ônibus na Contorno e ia encontrar o Francisco quando ele não conseguia o carro do seu pai para me buscar lá. Um Chevette branco que exalava cheiro de óleo que impregnava o meu cabelo cuidadosamente lavado para esses encontros. O shampoo era de essência de maçã. Sentindo-me irresistível, abandonava a Fafich sem olhar pra trás. Gostaria de ter aproveitado mais a minha época de Básico. Lembro-me tb do pavor que eu sentia ao usar o elevador. Quando vou a SMED tento me recordar das priscas eras. Mas os odores são outros. E como dói. Beijos.

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