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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Os perigos da falta e do excesso de assunto

Sofro de uma patologia que acomete 90% da população: quando me sento num banco de praça, num banco de ônibus ou, raramente, num de avião, tenho medo de encontrar pessoas que conheço pouco ou quase nada.

São, curiosamente, os chamados “conhecidos”, mas que de fato não conhecemos, a não ser, eventualmente, o nome e o local onde supomos tê-los visto pela única ou última vez.

Confesso preferir topar com pessoas “totalmente” desconhecidas ou, ao contrário, as mais chegadas, pelo interesse em páginas em branco ou por saber um pouco sobre a vida e alguns gostos do vizinho ocasional.

Quando o encontro com o “conhecido” acontece numa fila de banco ou numa rua, tudo bem: é somente um oi ou alguns minutos de falta de assunto. Mas falta de assunto por longos minutos ou por horas é algo constrangedor.

O problema é que, nesses casos, temos que ser superficiais ao extremo, pois, se perguntamos pelo marido ou pela esposa, a figura já pode estar com outra figura e a pronúncia do nome do(a) ex pode lhe talhar o sangue. Se perguntamos como está D. Maria, ela pode ter morrido, coincidentemente, há poucos dias e reaquecermos o luto. Se perguntamos como anda o modesto bairro em que supúnhamos morar o interlocutor, podemos ter como resposta:

– Você deve estar variando. Eu nunca morei lá.

Aí, ou você se enganou, pensando conhecer a pessoa, ou sua memória está confundindo Milionários (onde ficam os pobres) com Funcionários (onde ficam os ricos). E o projeto de conversa foi pelo ralo.

O pior é que ainda não descobriram uma maneira de tentar fazer um papo decolar sem perguntas. Pode ser, no entanto, que eu tente algo mais ou menos assim:

– Olá, eu sou Pedro, tenho certeza de que se lembra de mim. Estou bem; e você, pelo visto, está muito bem!

Esse jeito inovador, no entanto, gasta até ponto e vírgula, exclamação e, dependendo da entonação desse “muito bem”, pode soar como uma cantada. Mesmo que, a rigor, não soe, vai entender o que a pessoa quer ouvir...

Por isso o bom mesmo pode ser encontrar um amigo de agora ou de antigamente e ir logo lascando, com a maior liberdade:

– E essa pança aí, véi? Você não tinha...

– Você também não tinha essas varizes... E ainda tem coragem de andar de bermuda?

– Cara, mas a saúde tá até boa. Fora a pressão alta, a glicose um pouquinho acima e uns probleminhas na coluna, meu check-up ficou ótimo.

– Também você não joga mais bola, não é?

– É claro que não. Tanto é que o Dunga quase me convocou para a África...

– O que faz aqui na fila do geriatra, com menos de cinquenta?

– Tô esperando minha mulher.

– Pô! Casou de novo? A primeira era uma gatinha.

– Ainda é. Está com trinta e cinco e veio acompanhar a mãe, que tem sessenta e cinco. Por sinal, minha sogra é muito conservada, vaidosa e atraente. Nem parece velha...

A sexagenária, que saía da sala e ouviu o final da conversa, dispara:

– Tá me chamando de velha, seu safado?

– Safado não, mamãe! Respeito com o Ricardo!

– Você não sabe o que ele anda fazendo...

– D. Florinda, eu não fiz nada! A senhora se insinuou para mim. E só rolaram uns beijinhos...

– Isso porque a Mariana chegou da academia na hora H.

E eu, inocentemente, pensava que conhecia bem o Ricardão, sem saber dessa versão perigosa, a atacar até gente da família, inclusive a insuspeita e ajeitada D. Florinda.

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