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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Coisas do coração
















No caminho para o estádio de futebol, após uns minutinhos daquela conversa trivial de escola, amigos, passeios etc., o menino pergunta ao pai, que o buscara há um quarto de hora na casa da mãe:

- Pai, até hoje não entendi por que você casou de novo...

- Filho, você já tem 10 anos, está na hora de aceitar isso: às vezes a gente se apaixona outra vez – e é incontrolável. Não tenho nenhuma queixa de sua mãe. Ela sempre foi excelente, em todos os sentidos. Mas me apaixonei de novo. Acho que, depois de cinco anos, a Tekka já compreendeu e superou. E também tem outro companheiro, por sinal um rapaz espetacular. Ela merece ser feliz.

- Você não teve nada a reclamar da mamãe, que é uma ótima pessoa. Mas se ela fosse (tipo assim) paia, você teria mais chances ainda de se apaixonar por outra, não é?

- Essas coisas do coração são imprevisíveis, meu garoto. Mas acho que sim: teria mais chances.

Alguns minutos depois, chegam ao estádio. Os olhos do menino brilham ao receber o ingresso do pai. Aquele era o jogo que selaria a sorte do time. Só haveria a mínima chance de prosseguir na primeira divisão se pelo menos empatasse. E a equipe vinha de sete partidas consecutivas sem um triunfo sequer.

- Pai, quero dizer que te amo muito. E amo meu time quase tanto quanto amo você. Obrigado por me trazer ao campo de novo. Acho que hoje vai dar.

- Vai dar, filho. Hoje a gente começa a recuperação.

- Uhuuu!

Começa o jogo. Nervosismo. Paulinho rói as unhas freneticamente. Paulo, o pai, tem uma crise de vontade de fazer xixi a cada 15 minutos. Numa de suas idas ao banheiro, seu time faz o primeiro gol. Quanto volta, Paulinho chora de emoção:

- Vai dar, pai. Hoje a gente começa a recuperação.

- Eu te amo, filho. Vai dar!

Pouco depois, vem o intervalo, o picolé, a troca de esperanças resgatadas entre os torcedores. Quinze minutos. Começa o segundo tempo.

Na etapa final, no entanto, o decadente time de Paulinho volta ao normal dos últimos meses: erra muitos passes, perde três ou quatro gols feitos, falha absurdamente na defesa, pratica faltas violentas. Tem dois jogadores expulsos nos instantes derradeiros, nos quais sofre dois gols. Resultado: dois a um para os visitantes. Aliás, como seria a lógica, por ser o adversário o melhor time do campeonato.

Na volta, aos prantos, Paulinho retoma as coisas do coração:

- Pai, por que, mesmo com tanta raiva e sofrimento, a gente, no esporte, não consegue mudar de paixão?

- Não sei, querido. Alguns amores são para sempre. Uma das características do verdadeiro amor é a gente amar sem exigir nada em troca, aceitando os defeitos, as decepções, os micos, as derrotas. Pagando o preço, como se diz.

- No casamento não deveria ser assim também? Para sempre? Pessoas amadas não valem muito mais que um "bando de mercenários" com aquele palavrão, como você disse no final do jogo?

- Deveria, mas...

Um barulho, uma batida, um susto. Uma interrupção brusca na conversa. Ferimentos leves, somente na criança. Danos materiais de pequena monta.

Enganam-se os que conferem uma pretensa onisciência ao escritor de ficção. A conversa talvez tenha continuado outro dia, com conclusões incertas e não sabidas. Donde se depreende não ser somente o futebol uma caixinha de surpresas, prazeres e frustrações. As crônicas também o são. Mesmo se saborosas, amiúde não levam a lugar algum. O trânsito nem se fala. E o amor... esse é o mais traiçoeiro. Sua tecla play localiza-se em nossos recônditos mais enganosos e sensacionais. Se Paulo não entende, é enorme e muito precoce a pretensão de Paulinho.

(Essa foi minha indireta homenagem aos 100 anos do CORINTHIANS, completados em 01.09.2010.)

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