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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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terça-feira, 7 de setembro de 2010

Flashback







Com alguma frequência, à semelhança da salgadeira da esquina, recebo encomendas: um amigo pede que escreva sobre um fato inusitado, que fez rir demais ou emocionou; ou uma história a merecer, por outros motivos, registro para os pósteros.

Recentemente, Carlos Alberto sugeriu-me voltar, com estas linhas, aos anos 70, tempo em que ainda existiam quintais e estórias, escritas com a letra E. Assim se chamavam todas as narrativas fora da realidade, como parece ser a saga deste Pedro e daquele Carô e nossas bicicletas Monark vermelha e roxa, respectivamente.

A primeira, com poucos meses de uso, já estava toda sambada, como o carro de Vander Lee. A segunda, ao contrário, a cada dia ganhava mais acessórios, mais mimos, mais kaol e era, por assim dizer, indefectível.

Vez por outra, emprestávamos as bichinhas, a contragosto, a Franklin e Luiz, então vizinhos e até hoje com a mesma cara. Qualquer que fosse o piloto à prova de tempo, a minha voltava quarenta minutos mais maltratada
, por razões que a própria razão desconhece. E a de meu primo, ainda mais reluzente.

A outra história por encomenda é a de Raquel, que ora começo, deixando a das rodadas bicicletas para outra postagem.

Minha irmã caçula nasceu bem grande, mais de quatro quilos, quase totalmente careca e com o que se chama de “orelha de abano”. Talvez nela se tenham inspirado os projetistas do revestimento dos telefones públicos. Na época não sabíamos serem as orelhas crescentes durante a vida inteira, como assevera a ciência. Isso, no caso das mulheres – à exceção de Raquel e mais uma meia dúzia – é pouco compreensível: se sempre falam mais e ouvem menos, aquele órgão deveria tender à extinção.

Não vou me deter no assunto, nesta oportunidade, mas adianto: minha mãe talvez temesse a transformação do penduricalho de brincos em asa. Lascava esparadrapos na garotinha, de ambos os lados, puxando os extremos auriculares para perto do rosto. Eram várias horas diárias de terapia.

Foi muito difícil avaliar os resultados daquela luta provavelmente inglória. Vieram os cabelos, por sinal belos e fartos. O caso ficou meio abafado, como aprecia Luciana Gimenez. Raquel cresceu e continua muito bonita, com o coração do tamanho de uma... (deixa pra lá). Não há, no entanto, indícios de que sua orelha continue crescendo, a bem da proporcionalidade e contra a ordem natural das coisas.

Devo também escrever, oportunamente, uma história não encomendada, a das cartas. Saibam os mais jovens que já houve, com fartura, cartas escritas a mão; TV sem programação 24 horas, sem cores e sem controle remoto; computadores enormes sem internet e somente no trabalho; um telefone apenas para todo mundo em casa (e isso para os ricos e remediados); e até – pasmem – sexo entre um homem e uma mulher somente um bom tempo depois de se conhecerem.

Essas coisas hoje são apenas respingos na janela embassada da memória. Quase tudo passou a girar em torno de uma tal “libido do cacete” cantada pelo Skank. Tempos de hedonismo, pouca sutileza e romantismo em baixa. Nada de quintais, de bicicletas longe de casa, de beijos que eram conquista nem de discutíveis e amorosos tratamentos caseiros. “Vou deixar a vida me levar”... ao passado.

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