Ela, a saudade

"E vou viver as coisas novas, que também são boas

O amor/humor das praças cheias de pessoas

Agora eu quero tudo, tudo outra vez"

(Belchior)

A saudade me visitou esta noite. Saudade do que fui, do que não cheguei a ser, dos beijos acontecidos, dos que ainda estão guardados.

Saudade, também, dos encontros e das despedidas. Dos lugares que não se veem mais. Dos bons começos, dos ideais. Dos caminhos, das escolhas. Dos carinhos, dos abraços, mesmo dos enganos. Das brigas por uma boa causa. Saudade do coração que disparava à toa, do tempo que não corria de mim, dos olhos que se molhavam amiúde, da simplicidade a toda prova, do menino que se imaginava velho no ano 2000. Isso se ele chegasse.

A saudade me visitou e me achou, de fato, antiquado. Dez anos depois daquele suposto fim-de-mundo. Não na cronologia, mas na alma um tanto ressequida, na escassez de sonhos. Na orfandade das utopias, na sensibilidade pouca, na alegria claudicante. Não fui um bom anfitrião.

Agora, decepcionada, ela se foi. Demora a voltar.

Quando vier de novo, se me perdoar por esta desfeita, vou pedir a ela uma carona até o final dos anos 70. Adolescia um menino magro e um pouco dentuço, cabelos ainda fartos e revoltos. Ao menino que se distancia de mim se revelava a Verdade. Livrou-o de ser um fracassado. Trouxe-lhe uma esperança hoje tênue, brasa adormecida, mas sem fim. Baterá um vento e a chama vai erguê-la.

Quando voltar a saudade, que me leve também à juventude cujas músicas, mesmo silentes, ainda ouço. Que me leve de volta às origens, às viagens, sejam as que deveras fiz, sejam as esculpidas na quimera. Que me leve de volta aos projetos de um mundo melhor, aos amigos. Que me reconcilie comigo.

No regresso da saudade, enfim, que ela me ache com menos fleuma, menos cinza, com mais viço, mais vontade de ter tudo outra vez. Com sede de futuro. Para que, talvez, eu não seja tão dependente dela.