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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Fazer o bem sem olhar a qüem-qüem

Esta história, que ressuscita o trema (por motivos óbvios), tem um fundo de verdade. Antigamente, eu ficaria na dúvida entre escrever “estória” ou “história”, pois, não obstante os fatos, a ficção e a viagem na maionese comeram soltas.

O fato é que Dr. Ribeiro, que se intitula Gianecchini, sabe que exercício físico, amor pelos animais e bom humor nos livram de várias patologias. Por isso, faz caminhadas diárias na orla da Lagoa da Pampulha, é amigo da bicharada (no bom sentido) e uma das pessoas mais alto-astral da sociedade belorizontina.

No tempo em que fizemos uma pós-graduação juntos, num curso montado exclusivamente para a instituição e realizado em seu interior, ele quase só chegava atrasado. Ali pelas 20h00, dava a desculpa de sempre:

- Com licença, professor. Boa noite! Alguém tem que trabalhar neste lugar...

Recentemente, sabendo que engarrafamento – a não ser de uma boa cachaça – não leva a nada, tem deixado a patroa pegar o carro mais cedo e demorar mais de hora para chegar ao trabalho. Enquanto isso, ele, ladino, pega o busão tardio, vazio. E chega quase na mesma hora.

A patroa, Dr.ª Araújo Ribeiro, assim, se estressa no anda e para da hora do rush, enquanto ele somente anda na Avenida Otacílio Negrão de Lima, perto da mansão, olhando para o céu, para a natureza e respirando o ar puro que ainda resta.

Numa dessas andanças, deparou com um pato solitário no Parque Ecológico da PBH. No dia seguinte, a mesma coisa: o pato meio down, deprimido, num estado quase patológico. Terceiro dia... a mesma cena. E não é que o bichinho puxou assunto?:

- Bom dia, Dr. Ribeiro! Por aqui de novo?

- PQP! Um pato falando?!

- Não é o normal, doutor. Isso é um fenômeno raro, mas aqui existe um papo – na nossa linguagem animal – de que lá na sua repartição o senhor resolve quase tudo. Já foi diretor de tudo. Conhece todo mundo. Gosta de ajudar as pessoas. É até apostilado, um negócio meio cabeça de bacalhau: ninguém sabe exatamente o significado na nossa realidade. Mas deve ser coisa boa. Quem sabe possa ajudar também os patos...

- Eu tô ficando doido... Que p... é essa?

- Calma! Eu só queria que o senhor arrumasse uma pata pra mim, Dr. Ribeiro. Eu estou tão só. Quem sabe lá na DIRSEP?...

- Isso é coisa da Prefeitura, c... Até gostaria de ajudar, mas não posso... (“como é que esse desgr... foi saber a abreviatura da DIRSEP”, pensou o doutor.)

- O senhor sabe como é, Dr. Ribeiro: eu já entrei com o requerimento de compra de uma pata. Foi até deferido. Mas vai esperar outras demandas. Haverá uma grande aquisição de animais. Deve ter até licitação. E sabe-se lá se a pata vem de Patos de Minas, da Patagônia, da terra do Tio Patinhas ou do escambau. É patético! Pode demorar muito. Já tentei achar uma aqui nos arredores, mas a gente nada, nada, nada e... nada! Aí eu fico na fossa, ouvindo sempre um grande sucesso sertanejo aqui da nossa Rádio Lagoa: “Entre patas e beijos”.

Dr. Ribeiro amoleceu com a dor do bicho. Ficou com um dó de torcer o bigode. Perguntou a um funcionário se poderia “patocinar” a compra de uma companheira para o pobrezinho, trazê-la e colocá-la ao lado, sem muita burocracia.

A resposta foi positiva. E lá foi ele ao Mercado Central. Duas horas depois, estava Dr. Ribeiro de volta com a pata branca que levaria o namorado atleticano ao delírio.

O pato ficou mudo de alegria. Aliás, como sói acontecer. Nunca mais falou nada além dos felizes “qüem-qüem”. Dr. Ribeiro acabara de fazer a boa ação cotidiana. Hoje, quando passa, vê os dois nadando, bicando, tipo assim, ficando. Como dois patolescentes. O amor é lindo. Sem licitação e na Pampulha, melhor ainda.

Um comentário:

  1. Pedro Jorge Fonseca, sempre que releio esse texto, sinto-me

    em estado "patológico", tentando entender como um ser pode ser tão criativo.

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