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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Lamento de Natal

Há muito tempo não choro. Ou, pelo menos, não choro o que dê pra encher um conta-gotas. Isso, por si só, já é motivo para tristeza. Não é bom sintoma. É normal num macho, mas não deve ser num homem. Sou, frequentemente, um brincalhão, mas muitas de minhas risadas certamente escondem uma vontade de chorar. E motivos não faltam.

Poderia chorar porque às vezes prefiro abrir um e-mail insosso a desfrutar do colo de meu amor. Porque a futilidade de uma TV amiúde me afasta do sorriso de minhas filhas. Eu, um dos fundadores da história delas, agora me nego a ter um papel convincente como uma das personagens principais. Dou-lhes uma boa pitada do meu tempo, muito do meu dinheiro parco, mas pouco de mim.

Poderia chorar porque meu coração vagabundo, nada original, quer guardar o mundo em mim. Às vezes tende a estimar mais as coisas que as pessoas. Prefere uma viagem – nem que seja pela internet – a uma conversa; um oi burocrático a um olhar mais atento; receber um elogio superficial a uma crítica sincera. Enganoso coração.

Poderia chorar por Bangladesh, pela Etiópia, pelo Haiti, pela Indonésia, pelo Sudão, pelos morros do Rio, pelo tsunâmi que ainda virá... Mas as luzes de um shopping quase me convencem: está tudo bem, principalmente se eu gastar meus recursos somente comigo e com minha família.

Poderia chorar pelo relativo fracasso da pregação cristã. Ao contrário do apóstolo Paulo, não me sinto à altura de sugerir que os sedentos me imitem, apesar de ter a convicção de que a verdadeira vida consiste em seguir os passos do Carpinteiro.

Poderia chorar pelas sequelas que a Teologia deixou em mim, pois o desejo de compreender a Deus diminuiu meu ímpeto de amá-lo. Talvez eu me convença finalmente, nessa seca a me abater, de que Ele é incompreensível. Esse pode ser o marco de um novo apaixonar pelo autor da minha fé.

Poderia chorar por me amar menos do que o razoável e oferecer aos outros somente essa afeição pisada, doída, trôpega e reles de um coração empedernido.

Poderia chorar porque tenho visto mais prédios que árvores, mais asfalto que rios, mais luminárias que o sol, mais palácios que lugares onde o pão é regrado e, ainda assim, Deus é louvado na escassez. E, o pior: encantam-me, muitas vezes, mais os carros que as pessoas.

Poderia chorar porque os poemas, em especial os sonetos, já não me enlevam tanto. Havia mais prazer nos versos nos quais a mazela se mostrava quase desejável; a alma se desnudava em rimas; a linguagem construía a beleza, mesmo que sofrida; e o poeta se apresentava exatamente como gosto: indecifrável.

Poderia chorar. Pedirei de presente, neste Natal, um visitar das lágrimas. Acompanhadas da sensibilidade, da gratidão, do contentamento, do altruísmo, da empatia com os mais humildes, da sabedoria dos simples. Lágrimas irmãs do amor que "tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta". Lágrimas de minha parcela de minha culpa por este mundo estar assim. Sejam elas bastantes para me redimir!

Depois do pranto, se ele vier, posso pedir um feliz ano novo para todos aqueles por quem chorei. A começar de mim. Cada gota derramada, por contraditório que pareça, será um minúsculo pedaço do ritual de regar a esperança. Esta, no entanto, ressurgirá altaneira. E nunca mais haverá aridez.

Um comentário:

  1. simplesmente maravilhoso!!!
    divino, fluido... lindo lindo lindo texto!
    é triste percebermos que as luzes, canções, liquidações e presentes trocados no final do ano quase nos convencem de que o mundo é tão encantado quanto pensava poliana... rs
    mas a realidade bate a nossa porta e, por mais que não nos faça chorar, pedro... percebe-la, senti-la... já nos torna muito mais nobres, e humanos.
    lindo texto. mesmo!

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