As manhãs não me são muito amigas. Não me recordo de quando brigamos. Costumo – sempre que posso – afastar-me de suas primeiras horas. Deixo primeiro acontecer a renovação das misericórdias de Deus sobre mim. Isso ainda não sei se acontece automaticamente, com o nascer do sol, ou é concomitante com o ressuscitar de minha coragem tardia.
Toda manhã é uma esperança de amanhã, já que sobrevivemos. Toda manhã é uma dia a menos, já que uma dia morremos. Ou a própria morte em gotas, enquanto celebramos mais vinte e quatro horas de vida. A manhã é um negócio contraditório.
A alegria me visita quase todos os dias, mas raramente pela manhã. Meu rosto demora a se desamarrotar. Haja água fria! Ainda não compreendo por que sou mais feliz à tarde ou à noite. Será que alma tem fuso horário?
Pode ser. Talvez eu tenha nascido para viver no oeste, onde a manhã chega mais tarde. Ou sempre pulando do inverno do polo norte para o inverno do polo sul, onde a manhã quase não chega. Mas seria uma enorme despesa com transporte e agasalhos.
Melhor ficar por aqui. Quero fazer as pazes com as manhãs. Pedir perdão ao sol por desprezar os momentos em que ele é mais amável. Levantar mais cedo. Se a angústia vier, molharei o rosto de outra forma, ainda que isso não impeça o tempo nem atrase a ruga. Afinal, cada manhã contém um recado do Senhor do Tempo, que agora parece me falar: “colha este dia, entenda o efêmero, ame as pessoas, sorva a beleza e tenha sede de eternidade".
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