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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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terça-feira, 5 de abril de 2011

Lembranças, paixões e demolição


Quando eu cheguei, aos quatro anos, BH, minha cidade adotiva, ainda era inocente. Mesmo crianças, andávamos livres, leves e soltos por aí, ao som de cigarras e, eventualmente, com o cheiro de damas-da-noite.

Aos domingos havia uma atração especial na mesa arduamente sustentada por meu pai (ontem fez 11 anos que ele se foi): um copo de guaraná Alterosa, somente um, daqueles genéricos de 180ml. Uma vez por mês, eu e meus três irmãos dividíamos, rindo à toa, uma cartela de seis unidades de iogurte Itambé. Outra vez, apenas um para cada, porque D. Júlia e “seu” Lalinho também apreciavam. A qualidade, inclusive em função dos pedaços de fruta lá dentro, era incomparável.

Meu primeiro filme foi “Bonanza”, no Cine Pompeia. O segundo foi “Meu pé de laranja lima”, também ali, hoje um supermercado. E o definitivo foi “Cinema Paradiso”, retrato daquele tempo em que eu quase morria de susto quando a luz se apagava e a tela enorme era acesa, trazendo-nos o mundo.

Minha primeira paixão foi Margareth, no terceiro ano. Não sei se quem foi embora primeiro foi ela, com quem nunca sequer conversei, ou o cinema. Ambos me davam taquicardia.

Aos sábados, ajudava minha mãe na feira da Rua Amazonita. Levávamos sacolas, daquelas mais reforçadas, que agora redescobriram ser ecologicamente corretas. É como cantou Cazuza, muitos anos depois:

“Eu vejo o futuro repetir o passado / Eu vejo um museu de grandes novidades /

O tempo não para”.

Aos domingos, tínhamos que ir à missa com a roupa melhor, “de ver Deus”. Excepcionalmente, diziam que a missa celebrada aos sábados, a partir das 18h00, já valia. Em qualquer caso, eu torcia para que o padre pulasse diretamente da leitura do Evangelho ao credo apostólico, poupando-me dos 20 minutos de homilia.

Eu era um "cristão" mais fervoroso fora da Igreja, quando havia jogo Cruzeiro x Atlético. Entrava no banheiro, às vezes até me ajoelhava, e pedia ao Senhor a vitória do Cruzeiro. Segundo meu vão e partidário convencimento, na torcida do Atlético existia muita gente amante de brigas e palavrões...

Na adolescência descobri que buscar a Deus, muito mais que uma obrigação religiosa, é nosso bendito destino, nossa sina. Não é possível nos ausentar de Sua presença, como diz o belíssimo Salmo 139*. Descobri também: Ele tem coisas muitíssimo mais importantes para se ocupar além de meus sofridos clássicos de futebol.

Lugares daquele tempo até hoje marcam meu coração: o BH Shopping, em seus primeiros anos; as Praças do Papa e Milton Campos; o Parque Julien Rien, na Av. Bandeirantes; a Av. Bernardo Monteiro, no trecho próximo à Av. Alfredo Balena; os cines Palladium e Metrópole, este último criminosamente destruído pela especulação financeira e imobiliária. Ah!... Também o entorno da Igreja São José, no Centro, onde muitas vezes, na hora do almoço, eu fazia escondidas e sofridas orações. E, finalmente, a esquina das ruas Carmo da Mata e Padre Feijó, no Bairro Saudade, onde minha turma se encontrava e eu escutava 14 Bis. Nestes dias está ali doente, combalido, octogenário, “seu” Orly, figura amável e exemplar, uma das pessoas que mais admiro.

Agora quase tudo é somente memória, resquício de um tempo de relógios menos frenéticos e cabelos fartos. Eu pensava ter descoberto o lugar perfeito para viver. Infelizmente essa convicção se enfraquece, juntamente com as cores do que se foi. Afora a Rua Alto da Mata, na Sagrada Família, a cidade já não me seduz tanto. Parece ter mais carros que gente. Mas o passado, mesmo demolido e distante, insiste em se aproximar e ter um gosto bom.

(*) "Para onde me ausentarei do teu Espírito? Para onde fugirei da tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também." - Salmo 139:7,8

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