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Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Para Rubem Alves e Cortella



Rubem Alves ensinou-me muitas belas coisas, entre as quais que, nos aniversários, não podemos dizer que agora temos dez, vinte, trinta ou quase quatro dúzias de anos. Os anos que temos – se é que os teremos mesmo – são os por vir. As dúzias de janeiros, no meu caso, ficaram pra trás: não as tenho mais.

Mário Sérgio Cortella, outro intelectual brilhante e de discurso sedutor, fez-me perceber o quase-óbvio: comemorar pode receber um hífen e dissecar-se em duas partículas: co-memorar, ou seja, memorar com, celebrar junto, com a memória voltada para alguma coisa que foi boa. Não se comemora, portanto, uma promoção no trabalho que acaba de acontecer. Isso se celebra, com vinho e juízo. Enquanto mais alto a gente vai, mais juízo deve ter. Que o digam os pilotos de avião.

Eu aqui pelejando com este texto, na luta mais vã, como dizia Drummond, fico pensando nos anos que não tenho mais, já bastantes, e no que há para comemorar com você, leitor: o dia em que sobrevivi ao parto; o dia em que meus olhos viram Belo Horizonte na flor da adolescência da cidade; o dia em que um coração pueril e querendo ser de homem disparou pela primeira vez com Margareth; o dia, muitos anos depois, em que dei meu primeiro e desajeitado beijo; o dia abençoado, entre esses dois últimos, em que Jesus veio ao meu encontro e me aceitou; o dia em que fiquei sabendo da aprovação no concurso do Banco do Brasil; o dia em que retirei da loja meu primeiro Uno novo; o domingo de Páscoa em que uma Nova York de sonho recebeu este caburé extasiado; o dia em que Idalina me fez parte dela pra sempre; os dias em que minhas meninas chegaram chorando e querendo dizer que os dias e as noites nunca seriam os mesmos.

Haveria muito mais a co-memorar, mas seria ponto e vírgula demais. E não me perguntem o plural de ponto e vírgula nem se a expressão tem hífen, porque professor de português tem as mesmas dúvidas vãs das pessoas normais – sem o direito, porém, de externá-las.

Por falar em professor de português (com inicial maiúscula ou não?), se eu pudesse voltar nos anos que não mais tenho, não teria abandonado a geografia e suas coisas muitíssimo mais interessantes que superlativo absoluto sintético e orações subordinadas substantivas objetivas indiretas. E o porque – usado para responder ou explicar – sem acento, meus amigos? Quem é responsável por esse atentado às regras de acentuação?

Portanto, homenageio a geografia adotando o fuso horário de Boston, mesmo numa cidade menos rica e de longitude 43º 56’ oeste. É que todo mundo tem sono duas horas antes deste nhambiquara e todo mundo acorda feliz duas horas antes de eu resmungar pra sair da cama. Sou meio confuso. Com fuso horário diferente. Minha meia-confusão é tanta que me desviei completamente do assunto do texto, sinal de que os anos que não mais tenho estão pesando e fazendo falta. Sinal, também, de que o “meio” do parágrafo acima não é tão advérbio assim...

Mas voltemos a Rubem Alves e Cortella, aquele genial mesmo na fase de não muitos anos pela frente e flerte com a quase-insanidade. Ele diz que saber é sabor, definição da qual quase todos os meus alunos (bem menos dotados) discordam redondamente. Eles, coitados, só admiram Coca-Cola, grafia de pichador, celular sem crédito e com música chata, um baseado de vez em quando e – muitos deles – uma transa quase insossa, apressada e quiçá em pé, na calada da noite de um beco escuro, com o auxílio luxuoso de um poste em cuja lâmpada deram uma providencial pedrada.

Ah! Eu gostaria de apresentar aos pupilos Não nascemos prontos, um livrinho delicioso do Cortella. Mas tenho medo de ser expulso da sala, pois eles, ao contrário de se preocupar com um mínimo aprontamento para a vida, já estão chamando outros para uma aventura na qual talvez não tenham muito o que comemorar.

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