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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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segunda-feira, 2 de novembro de 2009

André


O filho que não tive adolesce no meu coração. Não gosta de trinta por cento de cueca pra fora da calça, não é do tipo que fala a palavra “tipo” a toda hora, adora ler Drummond, que também teve um filho que ninguém fez.

O filho que não tive está apaixonado e achando beijo na boca a coisa mais séria e mais gostosa do mundo. Acho que, mesmo avulso, não ficaria lambendo uma a cada semana; aliás, acho que não “ficaria”. E o mais legal, para a audição de professor de português chato que nem o pai, é que ele não fala “namorar COM”, o que, mesmo assim, não me faz ter muita esperança de que o verbo continue transitivo direto.

Mas, apesar dessa concessão que me faz, ele detesta gramática, no que, aliás, está certíssimo. Acha a coisa mais chata do mundo ter que saber a diferença entre adjunto adnominal e complemento nominal; acha a maior forçação de barra o “porque” sem acento; lamenta, com meu aplauso, o fim do trema; e defende, contra minha vontade, o sepultamento do ponto-e-vírgula.

Voltemos, no entanto, a falar do filho, em vez dessas chaturas: ele não gosta de futebol, pois acha um absurdo um esporte em que o pior pode vencer e em que o juiz é tão decisivo. Sua praia é o vôlei, não o de praia, mas o de quadra, pois nele a melhor defesa é o ataque, como gostava o grande Telê Santana, do futebol.

O filho que não tive é socialista, só que de verdade: sua minguada mesada é tanto uma rima quanto uma solução: metade vai pra apadrinhar uma criança pobre, que visita todo mês e quer trazer pra dentro de casa. Da metade que resta, metade ele guarda e metade ele não gasta no McDonald's, um de seus dois maus hábitos, no qual as irmãs têm que patrociná-lo. Dizem as más línguas que isso não existe, que não pode ser meu filho, que é preciso fazer um deste de DNA.

Por falar em DNA, o menino quer ser cientista, daí a razão de todas as suas extravagâncias. Já tem cara. Vendo-lhe a foto e perguntado se tem jeito de cientista, cantor de rock, jogador de futebol ou dono de pizzaria, qualquer sujeito marcaria a letra A. A, de André.

O pior nisso tudo é que o sujeito gosta de Química, minha gente. É fã de uma tabela periódica, de um tal de 6,02 x 10 elevado a 23 e outras excentricidades. E namora uma moça menos nova que já está na faculdade, rodeada de professores chatos, tubos de ensaio e aventais brancos.

Pra falar a verdade, admiro demais o meu filho, mas essa de Química – que me desculpe o colega professor Marcelo – é difícil de engolir. Era preferível ser atleticano, gosto que traz menos efeitos colaterais. Mas ele vai pelo mesmo caminho da namorada. Resta torcer pra que alguém (no caso, ele) descubra, finalmente, a fórmula mágica pra combater radicalmente a calvície, coisa que a Química, a Medicina e a Farmácia estão nos devendo desde que o mundo é mundo.

Aliás, ele me fez a promessa de perseguir esse objetivo na vida. Ainda há de patentear o elixir da fartura capilar, o que me levará a perdoá-lo pela escolha profissional.

O filho que não tive é muito diferente de mim. Para melhor, felizmente. Desde os dezessete anos (que não tem nem nunca terá) já sabe o que quer na vida. Eu, muitíssimo mais rodado, às vezes só quero que ele seja verdade.

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