Pesquisar neste blog

Quem sou eu

Minha foto
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

Tradução/Translation

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Aviões, flatulências e falta de assunto

Sempre fantasiei com a (im)possibilidade de eu voar sozinho e sempre fui fascinado por aviões. Uma de minhas músicas preferidas é Sonho de Ícaro, cantada por um tal de Biafra. Ninguém é perfeito. Por falar nisso, quando criança, compus uma três ou quatro canções ridículas, com letras idem. Uma delas versava sobre a terceira maior invenção de todos os tempos, depois da roda e do Google. Felizmente, a carreira de compositor não decolou.

Tenho poucas dezenas de horas de voo, começadas em 1984, sobrevoando a Amazônia, um belíssimo tapete verde entremeado por muitos e caudalosos rios. Apesar da convivência pouca com a nau alada, sempre sonhei com aeronaves, principalmente caindo, com este medroso observador do lado de fora, é claro. Quando estou dentro, meu temor não é de que o bicho despenque, mas do que chamo de “estrada de terra no ar” – a turbulência.

Numa quinta-feira, 07 de dezembro de 2006, coincidentemente na época do caos no controle do tráfego aéreo brasileiro, recebo uma notícia pelo e-mail, a qual me fez acreditar que os perigos de voar são maiores do que eu e o remetente da pérola imaginávamos. Transcrevo a matéria, sem acrescentar ou retirar uma vírgula:

Mulher com flatulência obriga avião a fazer pouso forçado nos EUA

Uma passageira que sofreu um ataque de flatulência obrigou um avião da American Airlines a fazer um pouso de emergência no aeroporto de Nashville (Tennessee) nesta quarta-feira.

Vários passageiros da aeronave – que voava de Washington para Dallas (Texas) – começaram a sentir cheiro de fósforos queimados.

Por causa disso, o alarme do avião tocou e o piloto decidiu pousar em Nashville.

O FBI (polícia federal americana) e a Administração de Segurança dos Transportes foram acionados para o que se considerava uma situação de emergência.

Os 99 passageiros e os cinco membros da tripulação foram retirados do avião, assim como toda a bagagem, para que fosse feita uma inspeção.

Os cachorros da polícia detectaram os fósforos queimados dentro do aparelho.

O FBI interrogou uma passageira que admitiu ter acendido os fósforos para ocultar o odor de suas flatulências, e que disse ter problemas médicos.

O avião decolou de novo, mas deixou a passageira em terra.

A American Airlines proibiu a passageira de voltar a voar pela companhia aérea.

Confesso que desconfiei da veracidade do relato e, bom mineiro, fui ao site de um conceituado jornal para conferir. Era isso mesmo: para minha surpresa, a flatulência fora tão ou mais perigosa que a turbulência.

Achei, por vários motivos, superinteressante a notícia. Não pelas emissões nocivas à camada de ozônio, pois já disse que ninguém é perfeito.

Em princípio, como bom e chato revisor, vou achar os chifres em cabeça de cavalo no texto. Vejam a manchete-título: não se pode obrigar um avião a fazer algo. Somente uma pessoa – o piloto – poderia ser obrigada. Depois: não foi a passageira que sofreu o ataque de flatulência: ela teve o ataque, os passageiros é que sofreram. Mais: ela não obrigou ninguém a nada, somente estimulou a livre concorrência de aromas, e o alarme disparou. Outra: o treco não tocou porque os passageiros sentiram o cheiro (felizmente apenas dos fósforos queimados), e sim porque os fósforos foram queimados. Os viajantes poderiam não ter sentido nada e mesmo assim o alarme soaria. Em seguida, contraditoriamente, o texto diz que o piloto “decidiu” pousar, o que prova que não foi coagido.

Quanto ao ocorrido em si, é curiosa a atitude da mulher flatulenta. Ela poderia, quando percebeu que não dava mais pra segurar, como cantava o Gonzaguinha, ter chamado a comissária e ter pedido pra verificar a possibilidade de liberar as máscaras de emergência, normalmente usadas em casos de despressurização da cabine. Para evitar pânico, o comandante diria: “Senhores passageiros, este recém-adquirido Boeing 737-800 da American Airlines, pelas normas da aviação civil deste país, precisa ter seus equipamentos de emergência testados. Portanto, pedimos a gentileza de experimentar durante pelo menos três minutos as máscaras que cairão em instantes à frente de cada um. Não há o que temer – é apenas um procedimento corriqueiro de verificação. Se algum passageiro tiver dificuldades, ajudem-no, por favor, IMEDIATAMENTE. Pela atenção e ajuda, muito obrigado!”.

Gostei também da notícia porque confirmou uma teoria na qual eu nunca acreditara totalmente: a fumaça dos fósforos tem realmente a propriedade de afastar a carniça. Uma pessoa muito próxima e querida já me disse algumas vezes que, quando a coisa fica feia no banheiro, nada de cinco descargas. A sustentabilidade ambiental, a eficiência e a sobrevivência aromática apontam no sentido de se acender um ou dois fósforos e... seus problemas acabaram! É tiro e queda. No caso do avião, poderia ser queda mesmo.

O fato é que o caso das ventuosidades anais aéreas norte-americanas, cheio de adjetivos, odores e análises, foi um achado e deixou-me nas alturas de novo. Só não fiquei mais satisfeito pelo tratamento desumano dado à pobre mulher pela companhia aérea. A empresa, em vez de proibi-la de viajar em seus aparelhos, poderia, se não fosse possível liberar as máscaras, dar um baita desconto a quem se atravesse a ser companheiro de voo da infeliz. E ela, para evitar uma catástrofe, seria, após minuciosa revista, isolada na primeira classe, com banheiro privé, mas sem direito a serviço de bordo, é óbvio, pois comissário nenhum é de ferro.

É... apesar de tudo, continuo fascinado por aviões e por jornalistas. Aqueles, mesmo sujeitos a sequestros, acidentes, turbulências e apetrechos de incendiárias bem-intencionadas, são uma maravilha do mundo moderno. Os jornalistas, ainda que amiúde imprecisos em sua redação, noticiam, para nosso deleite, fatos totalmente irrelevantes, que quase só acontecem nos Estados Unidos. Mas têm o mérito de dar munição a escritores às vezes tão sem-assunto quanto eles.

(2006)

Nenhum comentário:

Postar um comentário