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Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Pequenas histórias

Achei esse bom filme, lançado em 2008, um pouco injustiçado. Passou batido, sem a repercussão que merecia. Uma inocente e nostálgica diversão para os adultos, sobretudo os (vindos) do interior. Um programa legal para a criançada. Com vocês meu obscuro lado crítico de cinema:

(publicado no site aletria.com.br em 25.08.2008)

PEQUENAS HISTÓRIAS

- filme de Helvécio Ratton -

Embora seja mineiríssimo, o trabalho do cineasta nascido em Divinópolis tem a universalidade da linguagem das histórias que emocionaram, divertiram ou espantaram as crianças que fomos. Começamos com a lenda de Iara (Patrícia Pillar), talvez a mais pedagógica das partes do filme, retrabalhada pelo diretor para ser também uma metáfora do casamento feliz, em que “só não pode tratar mal”. Somos levados às paisagens bucólicas da Serra do Cipó e aos ares caipiras de seus arredores ricos de cultura popular: um pescador (Maurício Tizumba) sofria com o desaparecimento dos peixes até que, numa noite de lua cheia, ao encontrar a mãe d’água, começa a fisgar não somente bichos graúdos mas também o coração da sereia. As pescas milagrosas fazem o matuto prosperar, dentro da realidade rural, até que a beldade se oferece para casar com ele. Era o céu na terra, mas era também muita água para a sua cisterna, como se vê ao final do conto.

As histórias continuam e levam-nos a São João Del Rey, em que se respira tradição e catolicismo, no conto de maior suspense. Vevé (Constantin de Tugny), ao se iniciar como coroinha, se vê às voltas com as imagens sofridas – às vezes assustadoras para as crianças – do interior de igrejas do século XVIII; conhece os utensílios curiosos da missa; e fica sabendo da lenda aterrorizante das almas penadas. Tudo isso com a companhia esporádica de uma serviçal da igreja que mais parece uma daquelas almas, com corpo feio e tudo e ainda vestida de preto, faltando-lhe somente a vassoura. Apertado para fazer xixi numa de suas noites desventurosas, Vevé fica ainda mais no desespero, fugindo das almas em procissão, sem saber se deixa o líquido sair e ou se sai ele mesmo daquele sufoco. Esses bons minutos de apreensão e (talvez) reflexão nos remetem a uma faceta da religiosidade, que, misturada ao imaginário popular, nesse caso, mais aprisiona que liberta. Com o mérito, no entanto, de nos permitir uma boa volta no tempo.

O terceiro e mais emocional dos contos, com locações no Centro de Belo Horizonte, apresenta-nos um Papai Noel solitário e falido (Paulo José), sem dinheiro sequer para pagar a pensão. Ele fica de saco cheio com um garoto na loja a lhe fazer gracinhas e a tentar lhe tirar parte do disfarce. Demitido das funções de bom velhinho sumariamente e por “justa causa”, comete a seguir um pequeno delito e encontra um garoto (Miguel de Oliveira) ansioso por tirar uma foto e disposto a levá-lo para umas “quebradas”, livrando-o da polícia. Daí em diante, o verdadeiro espírito do Natal entra em cena: apesar de não ter quase nada, o Papai Noel decadente faz a alegria de moradores de rua, encarna a verdade bíblica e franciscana do “dai e dar-se-vos-á” e pode até arrancar lágrimas dos espectadores mais sensíveis.

As histórias, pequenas somente no tempo de cada episódio, terminam com as desventuras – filmadas em Caburu e Bichinho, próximo de Tiradentes – de Zé Burraldo (Gero Camilo), um sujeito daqueles que nasceu burro, não aprendeu nada e esqueceu a metade. O divertido jacu, após a morte do pai, sai da roça para a cidade com o seu animal de estimação (ou de inspiração) e algum dinheiro, mas é presa fácil para os aproveitadores de sua extrema ingenuidade. Depois de ser passado pra trás algumas vezes, dá um hilário vexame expondo ao público as pretensas propriedades mágicas do cocô do burro que recuperara. Seu grande mico no lugarejo lhe rende um papel numa apresentação teatral ao ar livre, em que faz tudo errado, mas salva o dramalhão da falta de graça. De volta a seu casebre no meio rural, Zé Burraldo continua dando uma mancada atrás da outra e mostrando que, se por um lado é bom pra fazer rir, por outro não presta nem pra morrer.

Pequenas histórias é assim: uma conhecida lenda revisitada e naturalizada nas Gerais; um suspense com os medos e cismas que muitos de nós herdamos; uma cativante apologia da felicidade universal; e uma constatação de que os simplórios quase sempre são mais divertidos. E tudo isso narrado e tecido por Marieta Severo, de uma fazenda mineira, com o savoir faire e com a autoridade daquelas tias que presenteavam a muitos com contos de encanto, de medo, de emoção e de simplicidade. Esses foram os quatro ingredientes perfeitos para o filme. E sempre serão para as boas histórias.

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