
Um dos primeiros celulares que vi – e o primeiro que manuseei – foi de Carlos Alberto, meu primo, talvez nos idos de 1993 ou 1994. Aquilo, na verdade, era uma arma, letal se saísse das cuidadosas mãos dele para as de um torcedor de futebol fanático e revoltado com o bandeirinha antipático com seu time. Somente a bateria deveria ser o dobro ou o triplo dos brinquedinhos de hoje, paixão-mor dos adolescentes.
O pesado utensílio, ou um de seus sucessores, veio a ser meu, numa das muitas catiras (s.f. = negócios, no dialeto de Pitangui, Bom Despacho e adjacências) feitas com meu primo. Um dia me senti no sétimo céu com o aparelho dentro de um Fiat Tipo novinho, um daqueles mimos para os remediados no começo do Plano Real. Em plena Avenida Vilarinho, eu dirigia e falava naquela geringonça. A farra seria completa se o carro fosse conversível e se meus cabelos fossem ao vento.
Pouco tempo depois, o pesadelo: o carro italiano e o celular, que também deveria ter vindo de longe, foram parar nas mãos de um 171, e eu voltei à minha velha vida de telefone fixo e vale-transporte. Mas isso são outros quinhentos. Aliás, outros dezoito mil e quinhentos, o que, na época, era muito dinheiro.
Seduzido pelas vitrines, passados alguns meses eu já estava com outro trambolho, um pouco menor, mas num sinistro plano chamado “celuar”, em que o cara só podia falar à noite. Era o maior vexame. Se alguém ligasse à luz do sol, ouvia uma mensagem: “este aparelho não está programado para receber chamadas neste horário”. Na verdade, estava; meu bolso é que não. Naquela época (quem está na idade média vai se lembrar disso), a gente pagava para efetuar e para receber chamadas.
Nos seus primeiros anos, o celular puro-sangue – e não o meu indefensável notívago – era caríssimo, coisa de bacana, papel que fiz muito mal nos meses ou semanas em que o transportava de um lado para o outro. Hoje, como se sabe, o telefone pessoal é petrecho da plebe rude, que colou nele feito unha e carne, igual a cartão magnético do SUS. Por isso me animo a falar do meu:
A começar pelos retratos coloridos como pano-de-fundo, tem vários recursos e inutilidades, custou pouco mais de um salário mínimo, comparado a, suponho, uns quinze ou vinte pisos salariais da época em que seus ancestrais começaram a ser comercializados. Além de filmar, acessar a internet e a Itatiaia, tem superpoderes, como comunicar-se com o banco, tirar extrato, pagar contas, transferir dinheiro para terceiros e outras coisas desagradáveis.
Ainda assim, gostei da miniatura, que nada tem a ver com o artefato bélico do começo do texto. No entanto, malgrado minha admiração pelos eletrônicos cada vez menores, mais fáceis, mais baratos e charmosos, ainda não entendo o furor que essa maquininha causa nos adolescentes. Eles olham para a última conquista tecnológica do colega com brilho nos olhos, a boca quase soltando baba, a adrenalina a mil e uma paixão louca, uma vontade incontrolável de ostentar uma ainda mais “doida”, nem que custe um espesso carnê das Casas Bahia.
Quando eu adolescia, as reações físicas eram parecidas, só que não existiam celulares nem essa gíria maluca. Ah! E o objeto de desejo, no meu caso inocente, romântico e platônico, estampado num retrato em branco-e-preto retirado de jornal e afixado na porta do armário, era Glória Pires. Os tempos eram outros: a novela era Cabocla, a música-tema era cantada por Nelson Gonçalves, charme era coisa de ser humano, o consumo ainda não era uma religião. E os celulares, por incrível que pareça, não faziam a menor falta.
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