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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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segunda-feira, 29 de março de 2010

Acerca dos preços e do tempo

(Do fundo do baú, este texto ora postado em homenagem à Cris, uma das responsáveis, juntamente com o Chico, por eu ser escritor. Na época, a Argentina vivia uma terrível crise política e teve, sei lá, uns quatro ou cinco presidentes em um mês. Os camelôs apossaram-se do centro da cidade, naquele esquema, tipo assim, "Tá tudo dominado". Consegui arrumar um radinho na internet praticamente igual, se não me falha o Google. Quanto à passagem ganhada da Transbrasil, dia desses vi o avião que me levaria mofando no aeroporto de Brasília. Ah... as TVs que menciono ainda eram aquelas de poupança grande.)

A amiga Cris me mostra sua conquista: dois radinhos FM - com fone de ouvido, lanterna e tudo - comprados no camelódromo do centro da cidade, por apenas 5 pratas (os dois!). Excelente aquisição, embora não tão excelentes as presumíveis intenções: confinar o jovem Dr. Francisco a um canto silencioso, onde ouça os incômodos gols e sonhe com os improváveis títulos importantes do Galo, além de reservar-se o direito de, com o outro microaparelho, curtir algo menos melancólico ao lado da Pedrinha. “O que é a létrécidade!”, diria um assustado vigia de banco ao ver pela primeira vez uma máquina de telex funcionando.

A mesma felizarda assinou uma revista semanal por módicos R$ 399 e ganhará um DVD player! Estou com inveja, pois no ano passado “embarquei” numa promoção semelhante, que dava de brinde uma viagem pela Transbrasil, de ida e volta. Na hora de utilizar a passagem, a finada companhia não estava nem indo, quanto mais voltando... Fiquei a ver navios, em vez de aeronaves.

Procurando mais baratezas, vejo no encarte do Carrefour CDs a incríveis R$ 2,90. Só o do Fábio Júnior está caro, já que mais em baixa que peso argentino. A propósito, ir a Buenos Aires agora também é uma pechincha: 3 noites - mais do que isso é arriscado - a 4 x R$ 180 por cabeça oca, incluídos avião, hotel e kit panelaço. Com chance de ver a posse do próximo presidente, que lá dura pouco. Aproveite-se ainda o preço do bilhete da Gol para Vitória: 70 “pau”, mais barato que ônibus leito!

Os consumistas “invertebrados”, como dizia um ex-colega, estão nas nuvens. Felizmente, está tudo muito barato atualmente. Infelizmente, inclusive o nosso salário. Mas há um consolo: o ganho mensal de um sofressor da PBH hoje compra mais de duas TVs 20 polegadas ou uma boa de 29. Há 20 anos não pagava nem meia de 20, e não existiam as de 29 - só aquelas jurássicas Telefunken de 26, sem controle remoto e demorando muito para acordar. Quando aparecia a imagem valvulada, já tinham passado as três repetições do gol que a gente queria ver na Itacolomi. O jeito era rodar o barulhento seletor de canais em busca de outra atração, nem que fosse o Programa do Bolinha, que chegou a premiar com um Gordini o melhor calouro.

Voltando aos adoráveis minieletrônicos, lembro-me de meu primeiro presente “caro” de Natal: um radinho Philips AM, que custou ao meu pai, na Bemoreira, talvez uma semana de trabalho. Nele ouvia os triunfos do Cruzeiro e a programação da Atalaia (ninguém é perfeito!), cheia de propagandas da Ari Amortecedores, da Auris Sedina e da Casa das Nações. Afora o
jingle da primeira, tudo era breguérrimo: Paulo Sérgio, Valdirene, Nilton César e as duplas Jane e Herondi e Leno e Lílian, esta com o hit A pobreza: "Todo mundo tem / Um amor na vida / E por ele tudo é capaz / Eu tenho uma paixão / Que é proibida / Só porque sou pobre demais...".

Depois de subirmos um pouco na vida e os preços descerem abissalmente, não há mais espaço para música tão pobre e estação tão deprê como a Atalaia. Até porque, se ainda existir, não pega no radinho da Cris.

(2002)

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