Já ouviram dizer “qualquer paixão me diverte”? Eu sou assim: até os pequenos anúncios de jornal me são um ótimo passatempo.
Comecemos pelos imóveis. Espeluncas são anunciadas como se fossem habitações; apês no fim-do-mundo como se no bairro nobre mais próximo; gaiolas a alugar em busca de um prisioneiro incauto; e lotes de “excelente topografia” em que só se veem os primeiros dois ou três metros de terra – o resto, só de binóculo.
E a seção de “relax”? Debaixo dessa fachada, as batalhadoras da mais antiga profissão concorrem na dificílima vida fácil. Algumas se dizem universitárias, como se os clientes quisessem papo; outras usam codinomes exóticos, do tipo Kíssila (!!!); algumas chegam a anunciar que é a sua primeira vez. Vai ser encalhada assim... Desse jeito não se pode chamar os pequenos anúncios de classificados, minha cara.
Agora, a parte das domésticas. Outro dia estava escrito no anúncio da secretária do lar: “não dorme”. Isso mesmo: não dorme! Tout simplement. Eis a empregada 24 horas, imitando o Extra, a Araujo e o chaveiro de plantão. Pode tocar serviço que a mulher não dorme. Trabalha de manhã, de tarde e de noite, como este que vos escreve. E, de madrugada, vai ver as novelas que pôs pra gravar, pois ninguém é de ferro.
Faltam os automóveis à venda. Expressões como “o mais novo de BH”, “dispenso curiosos”, “carro de mulher”, “duvido melhor” e “muito inteiro”, sobretudo esta última, não querem dizer absolutamente nada. E quando o cara escreve que tem “ar, vidro, trava e roda”? Tem dó, meu. Isso todos têm. Sem roda a joça não anda; sem ar, não se respira; sem vidro não pode; sem trava a porta não fecha.
Voltando aos veículos de passeio, o que mais me divertia era o Eduardo, meu irmão, no tempo longínquo em que comprava carros velhos. Depois de olhar (e horrorizar de) uns trinta, começava a ficar nervoso, ao telefone, com os anunciantes: “ô, meu amigo, eu tô aqui na Pompeia e você aí no Barreiro. E se eu for aí e o seu carro não for nada disso que você está anunciando? E se for uma carniça como as que estou vendo por aí? E se eu perder a viagem?”. Talvez as respostas fossem impróprias para menores. Eu só ouvia o Eduardo, do lado de cá da linha.
Felizmente, não curtirei mais meu irmão em temporada europeia comprando verdadeiras antiguidades. Se não fosse maluquice (e se eu tivesse dinheiro), contratá-lo-ia (!!!) para adquirir, criteriosamente, um veículo na sinistra faixa dos R$ 10 mil. Seria curtição na certa.
Sendo tal deleite improvável, além de insano, contento-me com a diversão dos anúncios das cabanas, das acadêmicas com pouco recato, da incrível empregada 24 horas e dos carros “muito inteiros”, como se houvesse os “pouco inteiros”. E viva a parte mais interessante do jornal, entre cujas mil-e-uma utilidades estão a de fazer a festa dos vendedores duvidosos, dos compradores compulsivos, das garotas sem juízo e seus fregueses idem, dos curiosos inveterados e dos escritores sem-assunto.
P.S.: Para não me delongar no texto, não abordei o correio sentimental, em que algumas mulheres anunciam procurar homens com "situação financeira definida". O sujeito que nasceu pobre, cresceu na pindaíba, ficou adulto no vinagre e caminha para a velhice com salário de professor pode inscrever-se, cheio de amor pra dar. É tiro e queda. Outros classificados, também de mulheres (menos sentimentais), são quase impublicáveis (NÃO veja):
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