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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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sábado, 18 de setembro de 2010

Curso de redação efêmero

Se eu soubesse ensinar redação, começaria com esta lição preliminar: escrever, assim como coçar, é prática: quanto mais se coça, mais a coceira aumenta, donde se conclui que é também vício.

Vício no bom sentido, é claro, o que se costuma chamar de virtude. Pessoas da estirpe da futura doutora Thaís Vieira Silva – minha quase-filha, cujo aniversário se comemora neste dia 19 – podem ser viciadas em estudo.

A segunda lição de meu curso para escribas seria: tente eliminar, quase sempre, o QUE, esse candidato a celebridade especialista em poluir textos mundo lusitano afora. Se a gente bobear, ele dá as caras quatro, cinco vezes a cada parágrafo – sinal inconfundível de nossa dificuldade texticular.

A terceira lição é a manjadíssima “na dúvida sobre como se escreve sessenta, faça dois cheques de trinta”. Se você entendeu até aqui – nível básico –, pode passar para o nível intermediário.

Quarta lição: palavras são como melodia. Portanto, evite repetições, rimas, redundâncias e cacofonias. Repetições são, quase sempre, toscas como música baiana ruim (desculpem-me pela redundância): "Segure o tchan, amarre o tchan, segure o tchan, tchan, tchan, tchan, tchan". Rimas caem bem somente em poemas ou canções. Redundâncias, em lugar nenhum. As últimas, as cacofonias, fazem o texto virar um caco. Veja:

Uma minha mania é deixar a raiva insepulta no passado.

A quinta lição tem a ver com a quarta: leia seu texto em voz alta pelo menos três vezes para ver – ou melhor, para ouvir – se vai pintar um clima entre ele e o leitor. Sedução é fundamental. Guaribadas podem ajudar, mesmo depois de muita maquiagem. Mas há que ter conteúdo.

A sexta lição é a mais sintética: bastante comedimento com os adjetivos.

Passemos agora ao final de nosso curso: as últimas quatro lições. Nível avançado.

Lição sete: não insista para que sua mulher, sua namorada, sua companheira etc. leiam suas coisas. Isso vai tomar um tempo precioso destinado a discutir a relação, para ela muito mais importante. Se você for mulher, pior ainda. Seu consorte, nas horas vagas, vai preferir o futebol ou uma saída com os amigos. Resumindo: escreva para fora, não para consumo interno.

A lição oito humilha um pouco os neófitos: você somente terá uma certa “licença poética” para inventar palavras depois de cometer pelo menos algumas centenas de textos razoavelmente aprovados por, pelo menos, uma meia dúzia de pessoas cada um.

Lição nove: emoção é fundamental. Seja irônico, seja humorista, seja romântico, seja visionário, seja crédulo, seja cético, seja filosófico, seja crítico, seja perspicaz. Mas passe emoção. No dia em que alguém desconhecido chorar – de rir ou de chorar mesmo – com seu texto, você chegou lá. A tal da atitude apregoada por aí pode alguma ligação com isso.

A última lição é no sentido de evitar a prolixidade, a não ser quando prazerosa, como entrevista com Gilberto Gil. Seja sintético, à semelhança deste curso.

Garanto que, observando essas regras, apreciando os clássicos, lendo, relendo e fazendo correções em seus textos zilhões de vezes, você poderá chegar, no prazo máximo de dez anos, à invejável posição por mim alcançada, a de sétimo melhor escritor de minha rua. Para melhorar nesse ranking, eu teria de observar uma outra recomendação, a de evitar períodos longos como este e o anterior, uma provável e futura lição de número onze. Mas, paciência... Ninguém é perfeito. Anime-se a mandar-me o seu texto para avaliação e, quiçá, emissão do seu merecido diploma.

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