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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Palrador daqui

Pedro é o nome da peça. Peça raríssima. Um artista. Ele pilota um táxi Uno Mille placa HBZ onze alguma coisa pelas ruas de Belo Horizonte, cidade de um país entre os noventa e quatro (!!!) onde diz ter estado.

Fará oitenta janeiros em agosto de 2011, apesar de aparentar setenta. O bigode é branco, revoltoso, farto e meio doidão. O bigode.

Entre suas muitas excentricidades, Pedro passa marcha com a mão esquerda, coloca o retrovisor interno para mirar a lua e fala como pobre na chuva. A questão do retrovisor é para não constranger as mulheres que, com aquele aparato na posição normal, do banco de trás teriam que ficar fechando as pernas para não distraí-lo: questão de respeito e segurança.

Pedro se parece bastante com Salvador Dalí, diz ter conhecido e cumprimentado aquela e outras personalidades mundo afora: Entre muitos, Elvis Presley, Charles de Gaulle e o escambau. Não deu pra guardar sua lista vipérrima. Também uma autoridadezinha local aqui e outra ali, mas aí se trata de segundo escalão. Luiz Inácio também é fichinha.

O motorista do vernáculo acelera palavras um pouco vetustas e demonstra nobreza vocabular. A explicação talvez seja porque, falando sem trégua, tenha que percorrer o dicionário inteiro. Os conhecimentos de Geografia são sólidos e convincentes. Tem o mapa-múndi na cabeça, e esta no mundo da lua. Isso levou-o a cometer um pequeno deslize: Bucareste como capital da Hungria. Perdoável. No mais, deu show.

Profundamente entendido também das ciências, da política, da economia, das artes, inclusive bélicas, Pedro se diz ex-combatente da Segunda Guerra e ex-agente de segurança de autoridades em dezenas de países do mundo. Os filhos estão todos formados em profissões da mais alta supimpitude. Mas não devem entender quase nada perto da vastíssima e marqueteira cultura do pai.

Falando até quase perder a respiração, floreando casos do arco da velha, o velho Pedro parecia co-autor da letra da música Eu nasci há dez mil anos atrás, de Raul Seixas. Mesmo vindo ao mundo bem depois.

A corrida de táxi, da Rua Goiás até o alto da Avenida Raja Gabáglia, saiu por vinte reais. Deveria ter sido de graça: eu aluguei o táxi e ele alugou-me os ouvidos cansados e curiosos. Se não fosse a velocidade das informações frenéticas, difíceis de ser processadas por meu cérebro genérico, teria valido a pena. Aprendi muito com meu homônimo. É um sujeito muito mais interessante que ficar olhando asfalto, carros e concreto pela janela.

Pedro. Pedro Santana. Depois de “Silas Simplesmente”, personagem de Marco Luque, é o taxista mais improvável, divertido e distraído que já me apareceu, na ficção ou na realidade. Esqueceu-se da capital da Hungria, Budapeste. Mas Bucareste é quase a mesma coisa. Ele dá notícia de absolutamente tudo. Metido também a poliglota, lembra-se intensamente de everything vivido ou sonhado. Até de Pitangui e arredores, onde esteve dia desses. Seria capaz, suponho, de listar os dez primeiros presidentes americanos. Ou os sete últimos paraguaios. Que falta faz o Jota Silvestre!

No trânsito, no entanto, deixa muito a desejar: concentra-se apenas no seu monólogo cult, a 180 palavras por minuto. Não dá a mínima para o volante. O carro parece seguir seu rumo quase autônomo, sem muita ajuda. Porém... o homem sabe das coisas. De todas. Eu, outro Pedro, pensara ser graduadíssimo em Conhecimentos Gerais. Que nada! Agora sou apenas sobrevivente da escola. E do táxi do meu xará.

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