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Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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terça-feira, 22 de março de 2011

Lições de Dona Florinda

Rafael, 16 anos, tinha o privilégio de conviver com uma trisavó. Aos 99, a conversa dela, D. Florinda, com a bisavó do rapaz, D. Augusta (83), a avó, D. Dayse (62), e a mãe, Fernanda (39), girava em torno da festa do centenário de D. Florinda.

A comemoração seria logo na semana seguinte àquele domingo. Num determinado ponto, o papo desviou para o comportamento do começo do século XX. D. Florinda, muito lúcida, informava ao trineto, na presença das representantes das outras gerações:

- Eu me casei, Rafinha, com um homem a quem fora apresentada apenas três semanas antes.

- Pô! Mó primitivo!

- E fui muito feliz com o Teobaldo. Sempre gentil, romântico, marido dedicado e pai exemplar.

- Pô! Mó sorte!

- Tive duas filhas mulheres e oito filhos homens. A Augusta foi a primeira. Uma bênção!

- Pô! Mó galera!

- Aliás, todos foram uma bênção na minha vida, inclusive o Olavinho, o único que não passou dos setenta.

- Pô! Mó azar!

- Que pena você não ter conhecido o Olavinho, Rafa. O irmão de sua bisavó. Fez carreira como piloto internacional da Varig. Conhecia o mundo todo. E sempre me trazia presentes.

- Pô! Mó irado!

A conversa ainda rendeu muito. Rafael prestava atenção, embora respondesse sempre variando apenas a última palavra. D. Florinda, sabe-se lá por que, anotava cada fala do trineto, com letras garrafais.

De repente, a campainha toca. Era Flavinha, que, vinda de muito longe, se mudara há apenas duas semanas para a casa do lado. A menina tinha a mesma idade de Rafael, era lindíssima e adorava estar com ele e com sua família, que a paparicava a não mais poder. Percebendo que ninguém ali dormia cedo, viera para abraçar D. Florinda logo à meia-noite.

- Pessoal, vocês já tiveram o privilégio de conhecer a Flavinha, essa dulcíssima membro da Família Real. Com ela eu tenho coragem de casar até antes do aniversário da vó Florinda.

Todos sorriram, inclusive porque Rafael empostou a voz. D. Florinda não perdeu a oportunidade de devolver:

- Pô! Mó primitivo!

Rafael mandou um beijo para a trisavó e prosseguiu:

- Como é que uma princesa dessa, com tanto palácio por aí, vem morar aqui tão pertinho de nós?

- Pô! Mó sorte!

- Por falar em sorte, vó, você vai ter a satisfação de ver a Flavinha e toda a família na sua festa. Como você diz, já "tomei a liberdade" de convidar ela, seus três irmãos e os pais. Todos são a maior gracinha...

- Pô! Mó galera!

- É uma pena que a Flavinha, ainda tão jovem, já tenha um namorado firme lá no sertão, desde a festa de 15 anos.

- Pô! Mó azar!

- Vó Florinda, por favor, pare de me imitar. Isso é bullying! (Rafinha levantou a voz, fingindo certa irritação.)

- Pô! Mó irado!

A cada resposta escrachada de D. Florinda, todos se divertiam muito. Depois do “irado”, que se deu exatamente à meia-noite do domingo para a segunda, Rafael e Flavinha correram ao encontro dela e lhe deram, juntos, um longo abraço.

A velhinha chorou, soluçou. Quase morreu de pouco respirar. E veio um amplexo atrás do outro. Vieram também vizinhos e os outros parentes – inclusive netos, bisnetos e outros trinetos – que estavam na casa. Trinta e tantos minutos só de abraços e beijos de puro carinho e admiração. 100 anos!

Quando aquela verdadeira cerimônia acabou, Flavinha, encantada com a cena, pergunta, em público:

- Vó Florinda, qual o segredo de ser tão feliz e de fazer todos ao redor tão felizes?

- Eu vou falar, meu anjo, desde que você prometa que pelo menos vai pensar no caso do Rafinha...

- Combinado. (Risos e, em seguida, emoção dominaram o ambiente.)

- Primeiro, nunca dizer “no meu tempo...”. Se Deus me trouxe até aqui, este é também o meu tempo. O meu e o seu, querida. Depois, amar muito a si mesma, nem mais nem menos que aos outros. Por último, ocupar-se com livros, com bordados, com gastronomia, com caminhadas (nem que seja ao redor da mesa), com orações, com visitas, com viagens, com poemas, com sonhos, para que a gente nunca se torne uma idiota espectadora do big brother da vida real.

- Eu te amo, D. Florinda! Feliz aniversário de novo. Nunca alguém me conquistou em tão pouco tempo. A senhora é um presente dos Céus! Sabedoria pura!

- Obrigada, Flavinha. Você é que é um amor! Tá vendo, Rafael? Aprenda a arte da conquista...

- Demorô!

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