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Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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sábado, 2 de abril de 2011

Um caso de música e de polícia

Fagner e eu nunca nos encontramos. Mas faltou pouco. Quando eu era adolescente, só existia cantor nordestino: ele, Zé Ramalho, Belchior, Ednardo, Elba, Amelinha etc., principalmente o etc. Isso sem falar nos já consagrados novos e velhos baianos.

Eu estudava na Escola Técnica Federal, hoje Cefet, onde havia um atuante DCE ou grêmio estudantil, sei lá. Por causa disso, todo dia, à noite, ouvíamos um sucesso de Fagner ou Zé Ramalho, ambos em início de carreira. A música do paraibano era quase sempre “Admirável gado novo”, aquela que diz:

- Ê, ô, ô, vida de gado. Povo marcado, ê... povo feliz.

Esse hit parece ter sido feito sob medida para a cambada de filhos da classe média baixa. Depois de um dia de trabalho, íamos tentar aprender uma profissão que desse grana naquela ótima e chata escola.

A música de Fagner era, quase sempre, “Revelação”, inconfundível e indecifrável:

- Um dia vestido / De saudade viva / Faz ressuscitar / Casas mal vivivas / Camas repartidas / Faz se revelar / Quando a gente tenta / De toda maneira / Dele se guardar / Sentimento ilhado / Morto, amordaçado / Volta a incomodar...

A moda eram letras misteriosas como essa e também ao estilo “Feira moderna”, gravada por Beto Guedes. Até hoje amo e não entendo. E olhem que já conversei com Fernando Brant, autor, também, de “Paisagem da janela”.

Mas, para resumir – lá já se vai quase metade do texto –, eu passei a gostar de Fagner mesmo por causa de “Canteiros”, cuja letra é de Cecília Meirelles e deu uma confusão danada na Justiça.

Por causa daquela romântica e bela canção, todo o repertório dele me parecia maravilhoso. Eu, inclusive, o imitava, na voz e naquelas balançadas de cabeça meio gemidas. Tinha todos os LPs dele e do 14 Bis. Bons tempos!

Um dia, talvez ali pelos idos de 1980, Raimundo Fagner veio a BH para uma pelada beneficiente no Estádio Independência: artistas contra ex-jogadores de Atlético, Cruzeiro e América.

Eu já era alto, mas, na época, bem magro. Levei umas duas ou três capas de disco (inclusive esse da foto) e entrei nas dependências do Estádio com meu amigo Luiz Rodrigues. Poucos minutos depois, pulei abissalmente para o gramado. Loucura! Fiquei discretamente encolhido e disfarçado de muro, aguardando a entrada dos astros, que se daria em 10 ou 15 minutos.

Até que um infeliz de um picolé X-9 me dedurou para a polícia. E o guarda:

- Sobe aqui em um minuto. Já! Senão vamos te buscar.

Agora teria de ter vida de gato, em vez de gado: escalar cinco metros só com o poder da mente.

Porém, não sei como, em poucos instantes eu estava lá. Superei a primeira metade do paredão no susto e depois “alguéns” me deram a mão. Se tivesse as 0,10 toneladas de hoje, seria preciso chamar um reboque.

O pior, no entanto, estava por vir: as “otoridade” disseram, em outras palavras, o famigerado "teje preso!". Com camburão e tudo. Naquela época, “de menor” não tinha tanto direito quanto hoje. Já fiquei me imaginando na Febem por algumas horas até minha família provar que conhaque de alcatrão não é catraca de canhão. Talvez gastasse até algum advogado de porta de cadeia e uma reportagem da Itatiaia. Vexame total!

O final mais ou menos feliz só foi possível porque Luiz, meu amigo, estava acompanhado de seu irmão, Adriel. Bem mais velho, professor da Federal de Viçosa, conversado que só ele. Ele jogou o maior agá nos guardas: o menino é de boa família, nunca fez mal a ninguém, só queria pegar um autógrafo, no final do jogo muita gente vai pular lá dentro mesmo, não vamos ser mais realistas que o rei...

Hereusement, como diria Adriel (e por causa dele), minha pena foi somente ser expulso do estádio. Ficou até barato. Lá fora eu ficava me perguntando como fora tão ousado aquele menino tímido e sem antecedentes travessurais daquela monta. Nunca houve o menor sinal de que um dia eu sairia da linha, nem que fosse por uma causa justa.

Enquanto isso, Fagner, Chico Buarque e mais umas duas dúzias de famosos entravam em campo, sob alguns gritos de “lindo!”. Certamente para Chico, de música, futebol e olhos de reconhecida supimpitude.

Ah! Meu autógrafo ainda não rolou. Quem sabe, um dia desses, em Fortaleza, próximo às velas do Mucuripe? Fagner me deve essa.

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