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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

Tradução/Translation

sábado, 18 de junho de 2011

Coisas da roça

Uma das principais curiosidades de nossa língua é o fato de o matuto, o caipira de raiz, não falar palavras proparoxítonas. Nem sob ameaça. Só me dei conta disso na faculdade. E me lembrei dos constantes e perdoáveis deslizes de meus primos, então pouco ou nada escolarizados, quando, ainda crianças, chegávamos para uns dias de férias com eles na zona rural de Pitangui:

- Cês qué laranja com aço ou sem aço?

- Amanhã nóis vai nadá no corgo.

- Aqui num tem lampa, só lamparina.

Tem base? Tem. A sonoridade das proparoxítonas é bastante sofisticada para ouvidos camponeses. Apetecem-lhes mais os ruídos de carro de boi, grilos, cigarras e córregos. Têm bom gosto. A história registra que o latim clássico, lá nas lonjuras do tempo, continha um número enorme de vocábulos proparoxítonos. A plebe da época, porém, não os pronunciava; ou falava trocando a sílaba tônica; ou “comendo” uma sílaba; ou adaptando a palavra ao gosto do freguês. O que ocorre até hoje.

Nessa toada, Cícero vira Ciço, fósforo vira fosso, Telêmaco vira nome de outro planeta, assim como Júpiter. O certo é que na roça, convivendo somente entre nativos, não se ouvem proparoxítonas. Atesto e dou fé.

Igualmente não se escutam outras sofisticações da língua, como verbos conjugados no subjuntivo e preposições bem empregadas: “Espero que você vá à cidade com o Hermógenes”. Alguém já captou isso de um fazendeirão mais tosco? Sem chance.

O importante, no entanto, é comunicar. A gente aprende e se diverte com o pessoal não muito achegado à gramática. Gente que tem muito mais histórias pra contar do que nós da selva de pedra. O médico – ou melhor, o dotô – João Guimarães Rosa conhecia bem essa turma boa. Grande parte de sua genialidade residiu em captar seus falares e jeitos e até em inventar um tantão de neologismos.

Por falar em “se diverte”, atribui-se a meu saudoso pai um episódio pitoresco: escalado para levar um cavalo de uma fazenda a outra – e voltar bem rápido –, Lalinho, como era conhecido, é saudado na chegada:

- Oi, sô! Tudo bão?

- Bão, mais com muita pressa...

- Num tem pricisão de pressa, sô. Vâmu apiá.

- Não, sô. Só vim intregá o cavalo...

Até hoje não se sabe como devolveu o animal sem apear. Coisas da roça.

(artigo publicado no Informativo do SINDOJUS-MG - Sindicato dos Oficiais de Justiça Avaliadores do Estado de Minas Gerais, edição de maio/2011)

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