- Cês qué laranja com aço ou sem aço?
- Amanhã nóis vai nadá no corgo.
- Aqui num tem lampa, só lamparina.
Tem base? Tem. A sonoridade das proparoxítonas é bastante sofisticada para ouvidos camponeses. Apetecem-lhes mais os ruídos de carro de boi, grilos, cigarras e córregos. Têm bom gosto. A história registra que o latim clássico, lá nas lonjuras do tempo, continha um número enorme de vocábulos proparoxítonos. A plebe da época, porém, não os pronunciava; ou falava trocando a sílaba tônica; ou “comendo” uma sílaba; ou adaptando a palavra ao gosto do freguês. O que ocorre até hoje.
Nessa toada, Cícero vira Ciço, fósforo vira fosso, Telêmaco vira nome de outro planeta, assim como Júpiter. O certo é que na roça, convivendo somente entre nativos, não se ouvem proparoxítonas. Atesto e dou fé.
Igualmente não se escutam outras sofisticações da língua, como verbos conjugados no subjuntivo e preposições bem empregadas: “Espero que você vá à cidade com o Hermógenes”. Alguém já captou isso de um fazendeirão mais tosco? Sem chance.
O importante, no entanto, é comunicar. A gente aprende e se diverte com o pessoal não muito achegado à gramática. Gente que tem muito mais histórias pra contar do que nós da selva de pedra. O médico – ou melhor, o dotô – João Guimarães Rosa conhecia bem essa turma boa. Grande parte de sua genialidade residiu em captar seus falares e jeitos e até em inventar um tantão de neologismos.
Por falar em “se diverte”, atribui-se a meu saudoso pai um episódio pitoresco: escalado para levar um cavalo de uma fazenda a outra – e voltar bem rápido –, Lalinho, como era conhecido, é saudado na chegada:
- Oi, sô! Tudo bão?
- Bão, mais com muita pressa...
- Num tem pricisão de pressa, sô. Vâmu apiá.
- Não, sô. Só vim intregá o cavalo...
Até hoje não se sabe como devolveu o animal sem apear. Coisas da roça.
(artigo publicado no Informativo do SINDOJUS-MG - Sindicato dos Oficiais de Justiça Avaliadores do Estado de Minas Gerais, edição de maio/2011)
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