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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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terça-feira, 26 de julho de 2011

O tempo das cartas


Era uma vez o tempo das cartas. Escritas a mão, recheadas de sentimento, o coração destinatário nem tinha CEP.

Era uma vez uma carta do tempo em que se esperava o conteúdo da mochila do carteiro quase como um beijo. Linhas que curavam feridas, aqueciam sonhos, construíam amizades, promoviam perdões, despertavam romances, às vezes perfumavam quem as lia. Frequentemente afagavam, de longe e de perto, e aplacavam a saudade.

Era uma vez uma coisa que quase não se vê mais. Nada tinha a ver com e-mails quase sempre frios, chegando a toda hora. As cartas tocavam, como tocava docemente a campainha no momento em que depositadas junto ao jardim.

Havia também jardins, como nos lembra Drummond, em seu poema “Lembrança do mundo antigo”. Não que hoje não haja: naquele tempo, para pegar as cartas, a gente olhava o jardim, reparava nas flores, na grama, ficava descalço para sentir a terra. Depois sentava no banquinho do lado de fora da casa para se deliciar.

Ora, direis, trocamos as vetustas cartas escritas a mão por computadores, impressoras sem fio, celulares, fotografias digitais, TVs enormes e incrivelmente magrelas. Isso sem falar na internet, nos blogs e no Google, as três maiores invenções depois da roda. Tudo é tão maravilhoso! Sim. Vale a pena até escrever uma carta a um morador do passado para contar essas novidades.

O problema, porém, é que talvez ele – o morador do passado – não acredite que estas linhas, tão logo publicadas da periferia de Belo Horizonte, estarão em Pequim, em Teerã, em Vancouver, em Berlim, na Cidade do Cabo, no Taiti. E, com apenas um clique (convém explicar direitinho o que é isso), possivelmente até traduzidas no mesmo instante. Estarão tão longe e também aqui do lado, na casa do meu vizinho que não lê – e tem cara de nunca ter escrito uma carta.

Mas talvez não somente o morador do passado tenda a ser incrédulo. Os de daqui a duas ou três décadas também não acreditarão em nós. Só que sua descrença não dirá respeito à nossa tecnologia então risível, mas será em relação às cartas, as quais somente lhes serão compreensíveis pelo método São Tomé – ver para crer. Assim, é bom guardarmos, bem acondicionados, alguns exemplares delas, se é que ainda não as "deletamos" todas. Verão os pósteros que o tempo das cartas não foi delírio nosso.

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