Darcy Rezende, uma de minhas leitoras mais antigas (no bom sentido), encomenda-me um texto. Vou tentar, contando a história – no passado seria grafada com E – de um suposto concurso filosófico num hospício de localização incerta e não sabida. História que tem, digamos, um pitoresco efeito colateral.
O saudoso Armando Nogueira, um de nossos jornalistas mais brilhantes, certa feita contou uma piada. Segundo ele, esta frase ganhara um certame desse tipo: “A vida nada mais é senão aquela cuja nós vivemos a qual”.
A campeã, profunda, é uma verdadeira pérola da lucubração tupiniquim, de fazer inveja a Gilberto Gil. Enquanto tento entendê-la em toda a sua extensão existencial e rolandolérica, imagino as outras finalistas do tal concurso.
Talvez uma delas fosse: “Só há uma vida: a havida”. Bem mais concisa, brilhante do ponto de vista lexical, perde porém na arte de não dizer nada com classe e sem pressa.
Uma também possível top six seria: “As sete maravilhas do mundo são três: a mulher e a cachaça”. Essa é uma loucura, como convém ao concurso, mas sucumbe pela pouca abrangência na abordagem do tema, além de ser censurável por seu alto teor etílico.
Outra: “O segredo da total felicidade ainda não foi descoberto. Se o for, deixará de ser”. Malgrado o abuso do verbo “ser”, essa é brilhante, sensacional. Igualmente merece ir para o trono, como diria Chacrinha. Arrisco-me até a dizer que, se a comissão julgadora não fosse composta de gente com um parafuso a menos (psiquiatras, psicólogos e psicanalistas), teria vencido a concorrência.
Mais uma: “A existência tem um tantã de coisas malucas, mas, mesmo assim, ela sempre está em seu perfeito juízo”. Sem comentários.
A última finalista: “Sou o maior filósofo do mundo, mas baixinhos também, tipo Bob Marley, têm uma obra admirável”. De autoria de um ex-jogador de basquete, de 2,16 m, ex-drogadicto e ex-vocalista de banda de reggae. Há 10 anos enfurnado num manicômio, o autor da simplória frase foi classificado somente pelo uso criativo de uma ambiguidade, já que a frase é mais marqueteira que filosófica.
Uma curiosidade: ainda apaixonado pela mulher e expulso de casa por ela por causa dos vícios, toda semana lhe escrevia um bilhete: “Meu amor, você e os companheiros de baralho, não necessariamente nessa ordem, são as melhores coisas que eu não tenho mais”.
O sujeito, além da parca sanidade mental, possuía um QI limitado. Não tinha a menor ideia do que seja “não necessariamente nessa ordem”. Escreveu somente para impressionar, pois a esposa, totalmente analfabeta, supunha ser uma das poucas virtudes do amado a boa escrita. Não tendo nunca a infeliz entendido o insistente “não necessariamente nessa ordem”, depois do centésimo bilhete levou a declaração de amor à análise de um professor de português.
Nem seria preciso dizer que foram necessários uns quarenta minutos para nossa personagem compreender a explicação, ainda assim na segunda visita ao especialista. Muito magoada com o seu possível segundo lugar no ranking, resolver fugir para o Ceará, onde veio a estudar um pouquinho – só para o gasto –, empregar-se num circo, comprar uma dentadura e, anos mais tarde, até aparecer com frequência na televisão. A última notícia de Francisca, autoapelidada de Naneneo, por causa do “não necessariamente nessa ordem”, é que um partido nanico estuda o lançamento de sua candidatura a deputada federal nas eleições de 2014.
Adorei o texto! Impagável e altamente tuitável a frase "Meu amor, você e os companheiros de baralho, não necessariamente nessa ordem, são as melhores coisas que eu não tenho mais". Deu vontade de fazer um livro intitulado "Pérolas pra que te quero", que tal? No mais, prevalece a velha máxima: "ridendo castigat mores". Abraço da Rosana Mont'Alverne.
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