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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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sábado, 30 de julho de 2011

Acerca da fantasia

Este texto, recheado do brilhantismo do Poeta, como todas as coisas ainda não criadas, ontem era fantasia. Engravidei-me dele depois de assistir a uma deliciosa entrevista com Bartolomeu Campos de Queirós.

Marina, hoje com 15 anos, também foi uma fantasia. Fantasias são os prédios que Giovanna desenha e quer ver um dia de concreto e de verdade. O homem também, imagino, foi assim concebido na mente de Deus, que não tinha nem tem necessidade alguma. Queria simplesmente relacionar-se.

Ícaro fantasiou com o elevar-se e ver de cima. Santos Dumont também. Giuseppe Tornatore, com Cinema Paradiso. Edison sonhou com a luz elétrica. Há algumas décadas, alguém deu à luz o mouse, essa maravilha da tecnologia que, pensava eu, nunca seria condenada aos museus.

Por outro lado, o Partido dos Trabalhadores fantasiou com um país para todos – e não está tão distante. Só lhe falta conceber que não somente os bens materiais e culturais devem ser para ricos e pobres, mas também o cárcere, sobretudo para aqueles a impiedosamente privatizar o sonho coletivo.

Há algumas décadas um Luther King embriagado de fé teve fantasias como uma América em que os negros não fossem cidadãos de terceira estirpe. Isso lhe custou muito, mas rendeu os frutos hoje notórios. Aconteceu algo parecido com Mandela, e os longos anos de prisão não foram suficientes para aplacar-lhe o coração sonhador e guerreiro.

Fantasiaram, por certo, os portugueses do século XIV: o mar sem fim já era deles – e o mundo também seria. Nós somos filhos desse delírio, tão bem descrito por Pessoa:

“O esforço é grande e o homem é pequeno.
Eu, Diogo Cão, navegador, deixei
Este padrão ao pé do areal moreno
E para diante naveguei.

A alma é divina e a obra é imperfeita.
Este padrão sinala ao vento e aos céus
Que, da obra ousada, é minha a parte feita:
O por-fazer é só com Deus.

E ao imenso e possível oceano
Ensinam estas Quintas, que aqui vês,
Que o mar com fim será grego ou romano:
O mar sem fim é português.

E a cruz no alto diz que o que me há na alma
E faz a febre em mim de navegar
Só encontrará de Deus na eterna calma
O porto sempre por achar”

Depois disso, o que dizer? “A febre em mim de navegar”, tradução perfeita da fantasia de Bartolomeu, me faz querer a música, as outras artes, a meditação, a mais bela paisagem, o amor, a poesia, o olhar inocente e risonho de uma criança, o abraço de um amigo, a expansão do Reino, uma viagem a um lugar inédito, o filho, a árvore e o livro que ainda não nasceram. Ou um outro sonho. Isso fez o mundo, bem ou mal, chegar até aqui. E é isso que pode salvá-lo, pelo menos enquanto  durar.

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