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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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domingo, 1 de novembro de 2009

As mulheres e o tempo


"Meu presente é viver o presente
Que saudade me dá do futuro
O que hoje pra mim é escuro
Amanhã poderá ser a luz...

Quero um tempo onde não haja tempo
Sentimentos não são medidos
Onde não faz sentido os sentidos
Onde só o silêncio traduz...

Céu de prazeres e flores
Pincel e todas as cores
Do arco-íris do amor"
(Moraes Moreira)

Tenho reparado muitas mulheres que provavelmente estejam no segundo tempo. Quatro, cinco décadas, mas ainda (ou ainda mais) bonitas, mais inteligentes, mais sábias, com disposição e planos para uma existência inteira. Convenço-me: a vida, realmente, começa aos quarenta. O que, aliás, me faz lembrar uma interessante e divertida canção do Toquinho chamada Idade Média: “Nunca seremos veteranos: a vida nos deve muito mais. Sempre teremos os mesmos vinte anos de vinte anos atrás”.

Se o corpo não é o mesmo da pós-adolescência – apesar de algumas ”senhoras” estarem verdadeiras gatas no segundo tempo –, a cabeça, ou melhor, o que está dentro da cabeça pode não envelhecer. Sempre é tempo de estudar, de amar, de reescrever uma página da vida. Sempre é tempo de dar uma guinada na carreira profissional, sempre é tempo de virar a ampulheta e começar tudo de novo.

O tempo, assim, não é senhor somente da razão, é também da beleza, é também do coração. As pessoas com juízo ficam mais bonitas com o tempo, entendido o belo de uma maneira mais completa: o que vem de dentro, o que conseguimos perceber em Deus, nas pessoas, na natureza, nas artes, nos pequenos e ternos momentos de comunhão ou solidão sem dor. Aos quarenta ou mais captamos tantas maravilhas que aos vinte não nos tocam. Somos, em geral, mais tolerantes, sonhadores mais realistas, aprendemos a esperar, resignamo-nos com a realidade de que sofrer faz parte da caminhada. A pedra no meio do caminho agora pode ser poética. Somos, depois de quatro décadas, mais conscientes de que, se a existência começa aos quarenta, restam poucos dias em nossa vida. É preciso colocar mais vida em nossos dias.

Aos quarenta, ou mais, até a infelicidade ou o infortúnio, quando vêm, são mais suportáveis. Não temos mais a obrigação de estar sempre bem. O sucesso eventual não nos embriaga. Conhecemo-nos um pouco mais, portanto sabemos o que se pode esperar dos outros.

Na segunda metade, se é que essa coisa é matemática, sabemos que é preciso decidir o jogo logo, pois é provável que não haja prorrogação. É preciso juntar o que restou das crenças, dos amigos, dos projetos, das viagens ainda sem carimbo no passaporte e sem fotografias. O que nos sobra, nesse tempo, é o melhor: Deus é bom – nós, nem tanto; os amigos verdadeiros são poucos; não se pode dar passo maior que a perna; e não é preciso conhecer o mundo todo. Basta o nosso, que pode se revelar num lugarejo bem perto. Ou em Zanzibar, por que não?

Mas voltemos às mulheres que inspiraram este texto, as que parecem ter os mesmos vinte anos de vinte anos atrás. Continuam aí, a desafiar o tempo, a emprestar sabor e sentido à vida e a encantar escritores, cujo ofício é tentar fazer aquelas mesmas coisas. Até que cheguemos aonde não haja tempo e as mulheres fiquem, assim, mais felizes, apesar do risco de que não mais sejam propriamente mulheres.

Um comentário:

  1. Bem, quase trinta anos após meus vinte anos sinto-me uma gata. E agora melhor: sinto contemplado por me ver "imortalizada", apesar de não ser nomeada - moléstia à parte (rsrsrs)- em uma crônica "blue velvet".
    Obrigada, querido amigo, por nos presentear com seu "typing" e "timing" bem caetanesco da alma feminina. Espero, contudo, a chegada da edição "printada" que dará para eu levar para São Gonçalo do Rio das Pedras, Cataguases, Cardosos, NY e claro, pro interior do Canadá, onde pretendo me estabelecer.
    Que a inspiração seja o seu oxigênio sempre!
    bjs

    cris bicalho

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