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terça-feira, 27 de outubro de 2009
A carta de Renata
Ela vem de longe, no tempo e no espaço: 1989, Lituânia, então União Soviética, com direito a uns dizeres em russo no envelope, à famigerada foice e martelo e à sigla daquele enorme e inacessível ajuntamento de terra, mistério e gente triste: CCCP.
A carta de Renata foi uma das últimas manuscritas que recebi. Hoje os Correios somente trazem extratos bancários, contas a pagar, propagandas, jornais e revistas. Tudo padronizado e eletrônico. Como o e-mail, ao qual até os mais avessos à informática aderem, por absoluta necessidade de estar “plugados” no mundo atual, mais moderno e mais chato.
Não sei por que nunca joguei fora a carta de Renata. Gostei do nome, que não sabia ser universal como o de Marina? Achei bela a caligrafia, num inglês não familiar para ela e para mim, sobretudo para alguém cujo alfabeto é um pouco diferente do nosso? Deixei para a posteridade, para mostrar a filhos e alunos como eram as cartas? Pode ser.
Nada contra a evolução tecnológica, caro internauta, mas nada como uma carta de verdade. Nela há o papel viajante, em que mãos teceram, que mãos conduziram, que mãos tangem para decifrar signos, símbolos... e sonhos.
É claro que nunca conheci Renata, a não ser pelos seus escritos, da época já longínqua do meu primeiro voto para presidente. Ainda soa em minha memória e em meu coração o jingle do principal candidato da então chamada esquerda. Soam, também, os versos de Nikita, de Elton John, cuja bela soldado, no clip, me lembra a remetente que não vi, ávida por conhecer as “maravilhas” do Ocidente.
Depois da queda do Muro de Berlim, que ocorreu no ano da carta de Renata, tudo é igual, globalizado. Não há mais os intrigantes segredos do mundo do lado de lá, que não deu certo antes do nosso. Vige a famosa nova ordem mundial, tão estranha num país em que “tudo parece construção e já é ruína”, como filosofou Caetano Veloso.
Mas basta de divagações outras, que isto é só para lembrar o tempo das cartas de verdade e das esperanças de mentira.
Good bye, Renata! Fique tranquila: meus dias de virtualidade não apagarão a letra bonita do seu tempo.
(1999)
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