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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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segunda-feira, 16 de novembro de 2009

1988

"Nossa linda juventude, página de um livro bom,
Canta que te quero cais e calor,
Claro como o sol raiou...
Maravilha! Juventude!
Pobre de mim, pobre de nós.

Via Láctea, brilha por nós,
Vidas pequenas da esquina...”


(Flávio Venturini/Márcio Borges)


Em 1988 eu havia trilhado pouco mais da metade do caminho. Eu concluíra, motivado por graves contusões, minha totalmente inglória carreira de jogador de futebol de salão amador.

Há pouco tempo encerrava-se um romance antigo, complicado, dividido. Eu estava mais avulso que santinho de político em dia de eleição.

Mal começara essa nova fase e eu já ressuscitava vetustos amores, inventava novos, sobretudo a partir de uma nascente paixão – dessa vez acadêmica – por teoria da literatura. Não sei se esta última foi à primeira vista ou me atacou a prazo, desde o dia em que li Borges e eu*, de Jorge Luís Borges. O texto do argentino me pegou de jeito, assim como o filme A rosa púrpura do Cairo, de Woody Allen, alguns anos mais cedo.

Em 1988 fui pela primeira vez para bem longe e bem bom. E sentia os primeiros sintomas da vontade de escrever de verdade. Eu era apresentado aos grandes nomes da história da poesia portuguesa. Ninguém passa por isso impunemente: há efeitos colaterais.

Eu continuava a ouvir – ainda nos velhos LPs ou fitas-cassete – Rua Ramalhete, o pessoal do Clube da Esquina, muitos bons nordestinos e o 14Bis. Lamentava muito a saída do Flávio Venturini. Era revoltado com a imperdoável troca do Cine Metrópole pelo Bradesco, que já fizera alguns tristes aniversários. Mesmo assim, eu prosseguia defendendo minha tese: Belo Horizonte, melhor lugar do mundo. Sobretudo a Rua Alto da Mata, na divisa de Sagrada Família com Cidade Nova, com direito a cheiro de mato depois da chuva.

Em 1988 eu debutava com um carro novo e popularíssimo. Foi um ano em que, pela primeira vez na vida, eu talvez tenha ganhado, com uma certa regularidade, uns mil dólares por mês. Para a época e para pobre era uma fábula. Mas deixemos de números, sensibilidade social e materialismo, que isso aqui é literatura.

Em 1988 eu, verdadeiramente, era apenas um rapaz latinoamericano, pois o Belchior já frequentava a idade média. E nos deixava de presente, além de outros, uma canção belíssima e pouco conhecida: Tudo outra vez.

Ah! É isso que está parecendo este texto: tudo outra vez. Mas ainda falta o dia 30 de novembro daquele ano. Estava em Brasília com dois amigos. Abandonei-os no quarto numa madrugada memorável para ver, no saguão do hotel, Ayrton Senna campeão pela primeira vez na Fórmula 1 – em circunstâncias quase épicas. Chorei umas lágrimas parcas. Parecia que era eu, parecia que era a nação inteira.

Hoje, pouco antes de escrever estas confissões, vi as imagens no Youtube da última volta da corrida daquele dia no Japão. Senti um começo de arrepio. Senna foi o herói da geração que testemunhava o definhamento das utopias e a quem estava reservada a submissão à nova (des)ordem mundial.

Não sei como couberam todas essas coisas num ano e num coração só. E ainda houve outras muitas.

Em 1988 eu não era nada. E ainda não sou. Agora, no entanto, estou cheio de riquezas sem cotação na bolsa, sem valor pecuniário, sem despertar cobiça. Entre elas, essas tantas riquezas presentes e pretéritas, a lembrança de um tempo tão bonito.


(*) O pequeno, belo e profundo texto está postado neste blog.

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