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Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Em defesa dos revisores

Rubem Alves, por quem escancaro minha admiração na primeira crônica publicada neste blog, não demonstra a menor simpatia por minha classe em seu artigo Sobre gramáticos e revisores. Além de pouco valorizados por ele e pela maioria dos cidadãos, os rabiscadores de textos, em geral, somos professores de português, bichos chatos por natureza. Somos ainda, para piorar nosso conceito e nosso futuro, uma espécie de mico-leão-dourado das profissões: o Word já resolve (por enquanto) sessenta ou setenta por cento dos dramas vocabulares da existência.

O grande mestre, conferencista e escritor vai mais longe: todo revisor, no fundo, no fundo, gostaria de ser escritor. Ao que acrescento: todo escritor, parecerista, advogado, subscritor de relatório, juiz, acadêmico ou jornalista gostariam de não errar. E quase todo zagueiro, no futebol, adoraria atacar com muita liberdade e sempre fazer gols. Dá muito mais ibope.

A obra literária, ainda quando não passe de um rascunho, é muitas vezes tida pelo autor como perfeita, acabada, imexível, como diria Magri. Nenhuma vaidade é maior que a intelectual.

Portanto, Rubem tem todo o direito de não morrer de amores pelo nosso ofício. Escrever é realmente bem melhor. Mas discordo com veemência de nossa pretensa autoridade para mudar os textos e o mundo. O sujeito que saiu corrigindo as palavras estória que Alves escrevera deve ter sido o mesmo que riscou do dicionário – ou condenou ao ostracismo – o belo verbete poetisa. Um sem-sentimento, não sei se com hífen ou sem. Mas o dono do escrito só muda se entender a correção pertinente. Não resta dúvida de que o autor é o chefe. Nesse ponto, revisor sofre do mesmo drama de assessor: não decide nada.

Eu diria a Rubem Alves que somos um mal muito necessário, mesmo correndo o risco de ser óbvio. Esses que andam riscando estória e poetisa são apenas um mal. Mas quem detecta uma cacofonia aqui, uma rima inadequada ali, um cujo com uma sílaba em cada linha... o que sugere eliminar uma teimosa repetição de palavras ou uma ambiguidade comprometedora não é somente revisor – é um esteta.

Acho que os gramáticos, a quem supostamente seríamos subservientes, são bem menos palatáveis que os revisores. Eles decretam que oxítonas terminadas em E são sempre acentuadas e depois nos fazem engolir um porque sem acento. Eles pregam que os termos essenciais da oração são sujeito e predicado e depois nos apresentam a famigerada oração sem sujeito. Escrevem em seus compêndios sagrados que não existe, entre outras, a conjugação “eu lato”, do verbo latir. Para que isso? Nunca precisei do “eu lato” e sou a favor da ressurreição – ou da criação – do “eu coloro”.

Continuando a malhação do Judas, foram os gramáticos os assassinos do trema, que nunca fez mal a ninguém. Funcionário público, acabo de adquirir meu primeiro quinquênio sem trema. E havia dois! Não é a mesma coisa: ficou quase impronunciável e muito chato sem dois pinguinhos em cima de cada U.

Assim, se eu fosse ranquear (sei lá se essa palavra existe – tomara que o revisor não a condene) três profissões em ordem decrescente de potencial de prepotência, eu colocaria o gramático em primeiro lugar, o escritor em segundo e o revisor em último. Este, quando não é um esteta, é o ser mais reles da Via Láctea: só existe porque alguém escreveu e só corrige porque algum Cegalla mandou. E o pior: torce pra achar muitos erros. Do contrário, até ele mesmo vai supor ser tão dispensável quanto o Senado Federal.

Quanto a mim, longe de estar acima do bem e do mal, já fui implacável, por muitos anos, com a expressão “a mais mínima”. Um sujeito muito mais importante escrevia, por exemplo, que não havia a mais mínima chance de algo acontecer, e eu deletava o mais, pelo fato de mínimo ser um conceito absoluto, que não comporta gradações. Hoje sou mais tolerante, apesar de aquilo ser uma absurdidade. Se o bacana quer gastar mais tinta, mais papel, mostrar erudição, florear ou encher linguiça (olhem a falta que o trema faz), deixemo-lo escrever como quiser.

Quero, pois, inaugurar um mundo de revisores light e de escritores e gramáticos também distantes da arrogância, em que ninguém se sinta dono da verdade. Mundo no qual o ex-pastor, filósofo, educador e escritor Rubem Alves tenha mais paciência conosco. Afinal, o desejo de escrever só nos engrandece – ou nos faz menos descartáveis. E o de mudar o planeta, se é que o temos, acomete-nos numa intensidade inferior em relação a pastores, filósofos, educadores e escritores.

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