Pesquisar neste blog

Quem sou eu

Minha foto
Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

Tradução/Translation

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Marta


"E assim, chegar e partir
São só dois lados
Da mesma viagem:
O trem que chega
É o mesmo trem da partida.
A hora do encontro
É também despedida.
A plataforma dessa estação
É a vida desse meu lugar,
É a vida desse meu lugar,
É a vida..." (Fernando Brant)

Quando eu estava de viagem marcada com a família, ela também estava – para um lugar bem mais distante e bem mais feliz. Iríamos em março, no dia em que ela partiu. Cancelamos o passeio e fomos vê-la pela última vez. Há muito tempo não presenciava um adeus tão sofrido.

Marta lutou por muito tempo. Não levou a doença a sério. Se tivesse levado, teria viajado muito mais cedo. Ela amava a vida, mas não essa de aparências, shoppings e sofisticações que querem nos impor. Era simples, até simplória. Era feliz.

Às vezes eu ouvia dizer que ela estava muito mal, sofrendo dores horríveis. Ia visitá-la, meio constrangido. O que fazer para consolar? O que dizer?

Para minha surpresa, ela é que falava: de seus planos, de seus filhos, de seus passeios, passados e futuros, de sua última descoberta de como driblar as dificuldades da vida. Ah! Falava também da casa nova, um dos milagres que lhe ocorreram, que pouco pôde curtir. Marta tinha a verdadeira riqueza, a fé nAquele que venceu tudo, inclusive a morte, sobre a qual ela também, por herança, triunfou.

Muitas vezes saí do lado de pessoas para quem tudo corria bem e, em seguida, fui vê-la. Por incrível que pareça, ao lado dela, onde tudo corria mal, meu coração se sentia melhor, meus ouvidos se fartavam de louvores e risos, eu via alguém que parecia brincar com a dor, zombar do infortúnio.

Na verdade, Marta não deixou adoecer a alma. Desta tratava com orações, ouvindo palavras de alento, com fé no impossível, com overdoses de esperança.

Acho que ela foi vítima fatal de uma dessas overdoses. Nós, os que somos muitos apegados a esta terra, não a achávamos totalmente normal: ela era meio do outro mundo, para onde foi.

No outro mundo, agora, imagino, ela ri de prazer e de si mesma. Por que pediu tanto para ficar aqui mais alguns anos?

Marta era uma dessas pessoas que a terra não merecia, que as pessoas não entendiam, mas que vai lhes fazer muita falta. Inclusive – e muito – a mim, que dela recebi conselhos, boas novas, puxões de orelha e aulas de humildade muito pouco compreendidas e muito pouco praticadas.

Afinal, o que somos além de húmus, pó? Depois da partida de Marta, percebi o quanto devo cuidar de minha casca antes que eu também seja embalado para viagem. E, principalmente, a importância de alimentar o que vai subsistir para sempre.

(2004)

Nenhum comentário:

Postar um comentário