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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Texto impossível


Eu queria tecer um texto que tocasse aos outros. Mas, antes, que me tocasse. Primeiro a mim. Que me tocasse, por exemplo, como a canção Corsário, de João Bosco e Aldir Blanc. Eu queria um texto definitivo, ao mesmo tempo leve, breve, profundo, bonito e cortante.

Eu queria fecundar um texto que se tecesse por si mesmo. Em que uma palavra abraçasse a outra; em que uma frase-nascente virasse uma frase-riacho; em que uma frase-riacho desaguasse numa frase-rio; e em que uma frase-rio se fundisse a uma frase-mar. Eu queria um texto que me molhasse a alma e abrisse a torneirinha de minhas lágrimas tão escassas.

Eu queria um texto que não fosse só meu. Que fosse também de Borges, também de Drummond, também de Luther King, também de Frei Betto, também de Cecília Meireles, com uma pitada da poesia mágica de Fernando Pessoa. E com muito dos anônimos a escrever coisas belas com os sonhos, com as músicas ou com as orações.

Eu queria um texto que fizesse sentido num dia lindo de setembro nas Minas Gerais. Mas também na longínqua, fria e embassada Reykjavik. E ainda que tocasse o oprimido operário da fábrica da Nike no Vietnã, de onde veio o tênis que o Eduardo me trouxe de Miami. Um texto mundializado, genérico, pantalíngue, um texto impossível.

Um texto sem muito significado, com muitos significantes. Um texto sem pé nem cabeça, que disso texto não precisa. Um texto revolucionário, se é que ainda existe esse adjetivo. Um texto que não deixasse letra sobre letra.

Enquanto esse outro texto não vem, eu me divirto e me lamento com este mesmo.

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