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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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terça-feira, 10 de novembro de 2009

Zero em Eletrônica


“Faltava abandonar a velha escola,
Tomar o mundo feito Coca-Cola,
Fazer da minha vida
Sempre o meu passeio público.
E ao mesmo tempo fazer dela
O meu caminho só, único...” (Lulu Santos)

Em Eletrônica fui 10. 10-istente. 10-esperado. 10-destruidor de rádios. Minha incursão por esse ramo do conhecimento só não foi mais desastrosa por falta de tempo e de ânimo. E este texto tenta explicar o fiasco:

Sem ainda ter adolescido direito, fui parar na então Escola Técnica Federal, em Belo Horizonte, hoje CEFET, para fazer o segundo grau profissionalizante. Nos anos setenta, esse era o sonho de nove entre dez pais e mães de periferia. Eu ainda não tinha o meu.

Assustei-me com a liberdade. Podia-se matar aula à vontade, sair mais cedo, chegar mais tarde, não ir, trocar pelo cinema. Era muito pra mim. Apesar disso, no primeiro ano, em que a Eletrônica ainda não entrava na grade de disciplinas, deu pro gasto, passei direto. Sem o brilho de antes, quando eu era sempre um dos melhores da sala.

No segundo ano, a overdose de liberdade continuava. Malandrei com força, influenciado pelos jovens pouco ajuizados abundantes por ali. Os transístores entravam de vez no currículo, e eu saía definitivamente do rol dos certinhos: no final do ano, bomba “ni” mim, direto, sem direito a recuperação. Os pais de um ex-caxias ficaram justamente injuriados com um rebelde sem causa a jogar pela janela do lotação um futuro pretensamente brilhante como um led.

Por falar em lotação, sou um sobrevivente dos coletivos que nos transportavam, dez e pouco da noite, da Gameleira até o Centro, entupidos de baderneiros. Ser magro era obrigatório. Às vezes meus colegas brincavam sobre o risco de a gente ir em um ônibus e a mochila ir em outro. Desafiando as leis da Física, entravam quatro, cinco alunos no mesmo décimo de segundo pela estreita porta traseira. A bagunça que faziam às vezes provocava uma parada do motorista à beira de um ataque de nervos e à beira de um grande quartel de polícia, no bairro Calafate. Ali, de vez em quando, um guarda tentava entrar no ônibus e tentava pôr ordem na casa da mãe Joana. Ambas eram apenas tentativas.

Isso mesmo: era impossível um chip – não sei se isso existia na época – entrar no ônibus e, alguns quarteirões distante da polícia, a bagunça piorava. Eu chegava à Av. Paraná para atravessar quase toda a região central da cidade e pegar outra lata de sardinha com destino à Pompeia, onde chegava cerca de onze e meia. Pensando bem, minha vida hoje é ótima.

Ótima também era a recompensa do fim de noite: o feijão tropeiro de D. Júlia me dava energia para outras sessões de tortura: no banco onde trabalhava à tarde como contínuo; na escola em que continuamente pensava em fugir; e no ônibus da Escola Técnica, em que na ida eu ia cochilando e babando e voltava não sei como.

Depois desse parêntese, o segundo ano, que repeti, meu terceiro na Escola Técnica. Melhorei um pouco e, como havia muita gente boa tomando bomba, o nível de exigência diminuiu. Deu pra ser aprovado, sem louvor. Após passar por uma experiência explosiva: um dos trabalhos práticos era montar uma fonte que transformasse corrente alternada (a do interruptor de nossa casa) em corrente contínua (a que dá voz ao radinho de pilha). Eu e meu colega Erivaldo conseguimos! No entanto, a corrente de nossa fonte não era tão contínua assim, e o rádio Transglobe de minha mãe, top de linha na época, soltou um barulhão – e um capacitor foi pro espaço. Ela, não muito acostumada a choques, levou um susto de quinhentos volts e me xingou com força e com razão. No entanto, felizmente, não cortou meu feijão.

Veio o terceiro ano regular, o quarto período em que eu estava ali. Tinha aulas de laboratório de Eletrônica todos os sábados, a tarde toda. Alguns colegas adoravam aquela maratona, quase chegavam ao êxtase com as aulas práticas, com os avanços e as descobertas da tecnologia. Eram dedicados, curiosos, e sempre tinham uma pergunta para o professor. Eu, quando perguntava, eram somente as horas, sempre menos do que eu esperava. Quase de noite, eu estava indo pra casa, muitas vezes com dor de cabeça, e minha turma saindo pra passear ou ir ao cinema. Coisas do ofício de estudante, que para mim só tinha ossos.

No meu quinto e último ano de escola, o trauma da explosão e o tédio das aulas aos sábados se juntou a outro grave acidente de percurso: eu tiraria zero numa prova de análise de circuitos. Zero escrito por extenso, em letras grandes. Zero mesmo: Z-E-R-O. Achei o fim do mundo. Mundo cujos quatro cantos o rádio Transglobe de minha mãe (que sobreviveu à tentativa de homicídio culposo) pegava muito bem.

Eu, no entanto, não sobrevivi na escola. Zero era demais! Eu sairia dali, trancaria matrícula por um motivo torpe qualquer, continuaria bancário, faria e passaria no concurso do Banco do Brasil, que na época pagava bem pra burro.

Hoje, diante do computador, vejo quanto a Eletrônica fez e fará pela humanidade. Mas não tenho dúvida de que não era mesmo a minha praia. Como também não foi o Banco do Brasil, apesar de lá eu ter sido muito feliz. Eu acho que a minha praia, se não for Bora Bora, Jenipabu, Ilhabela ou Miami Beach, é escrever.

(2007)

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