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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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terça-feira, 14 de setembro de 2010

Felicidade, radinho de pilha e estrato social















Moacyr Scliar, um de nossos grandes escritores, presenteou os leitores da Folha de S.Paulo de 13.09.2010 com um delicioso texto: "O preço da felicidade". Nele, uma mulher de classe média fica sabendo de critérios supostamente científicos para aferir se é feliz ou não. Ela possui quase todos os ingredientes, exceto um: renda mensal igual ou superior a R$ 6.800,00. Bate na trave: fica de fora por apenas R$ 50,00. O interessante da história é como fazer pra conseguir os cinquentinha a separá-la do paraíso terrestre.


Lembrei-me (ou melhor, Carlos Alberto lembrou-me) da primeira pesquisa em que, a partir de critérios de consumo, bem como de equipamentos e eletroeletrônicos presentes na casa, verifiquei qual era minha classe social.

Eu, então um recém-casado de renda modesta, morava num apartamento bem popular. Para se ter uma ideia da simplicidade da residência, adquirida do amigo Francisco Ney em 1989 com um Uno zero km de entrada e mais a assunção de um baita saldo devedor, registro: uma cama comum não girava 360º em nenhum dos dois quartos, com a mesma e reduzidíssima área.

No entanto, como já se previa, a dívida estratosférica do simpático imóvel foi reduzida, no governo Sarney, à soma das prestações vincendas. Houve um desconto de 70 a 80% para quitação, ficando essa benevolência governista - que atingiu indistintamente a pobres, remediados e abonados - na conta da viúva.

Mas o que importa aqui é a tal enquete sobre a classe social. Perguntava quantas TVs havia em casa. Quantos quartos. Quantos banheiros. Quantos refrigeradores. Quantos automóveis. Se tínhamos telefone (!!!) e plano de saúde. Empregada ou diarista. Se tínhamos microondas, máquina de lavar roupa, aspirador de pó e outros penduricalhos.

Nesses quesitos eu estava de sofrível a mais ou menos. Algumas coisas que eu tinha, no entanto, valiam mais pontos: um banheirinho a mais, um planinho de saúde, um microondas recém-comprado e ainda na embalagem. Ainda assim, sentia-me um autêntico cidadão de classe C. Mas entusiasmei quando chegou a pergunta: quantos rádios, incluindo o do carro? Era um do som, outro de pilha pra ouvir futebol na Itatiaia, outro no carro velho. Três rádios, que, apesar da pontuação pequena de cada um, me fizeram ficar no limiar entre a classe C e classe B naquela benevolente sondagem.

Morando ali, eu seria, a rigor, mais para D, todavia a vaidade me subiu à cabeça: pensei em correr ao recém-inaugurado Minas Shopping e comprar um reles radinho de pilha - o quarto rádio -, que teria uma utilidade jamais pensada: elevar-me à classe B, de bacana.

O problema é que, quando essa tentação me sobreveio, já eram 21h00. Fiquei relutante. Afinal, era a suprema futilidade: um caburé, morador de um conjunto habitacional com quase três mil pessoas e proprietário de um abusado Ford Del Rey querendo o rótulo de classe B. Mesmo assim, acho que cheguei a trocar-me para sair. Mas... como explicar para Idalina. Maluca demais uma absurdez dessa! Por mais que eu tivesse alguma credibilidade e alguma higidez mental, a esposa não iria comigo nem mostraria simpatia pela extravagância.

Em torno de 21h45, resolvi desistir. Pensei até na extrema esperteza de rasurar o formulário e preencher que tinha os quatro rádios, comprando o quarto no dia seguinte, para pacificação da consciência.

Felizmente resisti àquele delírio: não seria uma bobagem dessa que me faria feliz. Idalina mal usava um dos rádios e era muito mais feliz que eu, que pilotava, quase com exclusividade, os três. E teria o quarto somente como um troféu, um passaporte, uma senha para o seleto clube da pequena burguesia. Sem méritos, sem necessidade, sem convicção e sem rigor estatístico e econômico.

Isso já faz quase 20 anos. Nem sei se, de lá pra cá, cheguei a dar umas passeadas efêmeras na classe B. Se fosse hoje, no entanto, a exigência seria outra, porque o computador pega rádio, o celular pega rádio, no Shopping Oi tem daqueles genéricos de cinco, sete reais. Talvez fossem exigidos uns oito a dez para o up grade. Em contrapartida, porém, cada filho ou filha talvez descontasse uns bons pontos: as bichinhas dão despesa pra burro.

Depois que elas vieram, porém, nunca mais tive esses arroubos megalomaníacos. Afinal, quatro classe C devem valer mais que dois classe B. Descobri, a duras penas: a felicidade não está em um radinho, mas em minhas três mulheres: falam mais, não têm propaganda, estão sempre de pilha nova, dão beijinho e, pelos critérios do coração, me levam direto para a classe A.

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