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Fui promovido a escritor de quinta, quinta colocação em minha rua, mas também escrevo às quartas, terças etc.

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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Carbonos, rifas e elevado senso de justiça

Termino o ano velho com uma história idem, apesar de ainda inédita. No tempo em que ainda havia estória, com “e”, esta foi com H. Pura verdade. Ética nem tão pura assim.

Meu tio Maurílio tinha uma vasta coleção de livros e de discos. De vez em quando, a gente, menores ainda impúberes, sem esconder dele, catava uma pequena parte dos livros e/ou discos. Entre estes, abundavam uns LPs (long plays) de um conjunto chamado Os Carbonos. As imagens trazidas pelo Google estão aí para confirmar que de fato existiu aquela, digamos, banda.

Como o próprio nome diz, Os Carbonos só faziam copiar. Gravavam os sucessos de artistas consagrados, eles que faziam parte de uma espécie de série C da música tupiniquim dos anos 70.

Cabe aqui um parêntese, pois algum leitor eventualmente muito jovem não saberá sequer o que é carbono, fora do contexto da Química. Carbono era uma lâmina finíssima, geralmente preta, que se colocava entre uma folha e outra para nesta reproduzir o conteúdo da folha original. O carbono reinou nos escritórios na era da vetusta máquina de escrever. Mas é uma “tecnologia” mais antiga que andar pra frente, como diria o amigo Francisco Ney.

Voltando aos discos, eles eram meio difíceis de escutar, de qualidade duvidosa. No entanto, como gosto não se discute, poderia ser que outras pessoas apreciassem. Pensando nisso é que fazíamos rifas, vendidas em Belo Horizonte, para os desavisados da Esplanada, Pompeia e adjacências.

O mecanismo era o seguinte: a gente – leia-se, eu, Jorge e Carlos Alberto, meus primos – pegava uma folha de papel almaço, numerava de um a cem e saía oferecendo os números aos incautos. Falávamos apenas que era uma rifa, sem entrar no mérito da apuração do vencedor, e mostrávamos os discos a ser oferecidos. Colocávamos os nomes dos caridosos que se inscreviam, em troca de alguns trocados. Após alguns dias, mesmo se não completássemos os cem números vendidos, fazíamos o “sorteio”.

Vai aquela palavra entre aspas porque nosso senso de justiça era aguçado: em vez de sortear, considerávamos felizardo aquele que tivesse comprado o maior número de números de rifa.

Está certo que isso era um tanto injusto com os demais concorrentes, que acreditavam tão-somente na álea geralmente envolvida nas rifas e nas chamadas “ações entre amigos”. Mas, não havendo sempre a possibilidade de agradar a gregos e baianos, optávamos, digamos, por um sorteio direcionado. É fato que ninguém jamais reclamou dos nossos métodos elitistas. Os ganhadores recebiam seu prêmio na maior alegria. Não sei se ela continuava com a audição dos LPs.

Certamente Os Carbonos seriam ainda menos conhecidos se não fosse essa nossa polêmica iniciativa. Como sempre fomos contra os chamados “jogos de azar”, esse nosso sistema só trazia sorte. Quem comprava mais... pimba! Era tiro e queda. O único deslize era uma pequena falta de transparência: não deixar claro, para os concorrentes, que a nossa justiça não era cega...

Sei que isso pode levar-me à beira da condição de réu confesso. Porém, eu ainda era bem criança, as intenções eram as melhores, foi uma saída honrosa para evitar a sumária defenestração dos discos, os prêmios eram entregues regularmente etc. Há uma série de atenuantes, inclusive o fato de que, evitando o sorteio, evitávamos também que fosse contemplado um número não vendido, com a permanência do prêmio em nosso poder. É quase aquela história de que “os fins justificam os meios”, principalmente quando tanto estes quanto aqueles estavam - na nossa pueril avaliação - acima de qualquer suspeita.

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